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Editorial

O que Merz viu em Belém

18 de Novembro de 2025 às 21:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
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A declaração do chanceler alemão Friedrich Merz sobre a satisfação de sua comitiva em deixar Belém após a COP30 desencadeou uma crise diplomática e expôs a extrema polarização na política brasileira. O líder europeu afirmou que jornalistas alemães ficaram “contentes” por terem retornado à Alemanha, “especialmente daquele lugar onde estávamos”.

Portanto, a passagem de Merz por Belém deixou muito mais do que registros protocolares em fotografias oficiais. Deixou, sobretudo, um recado incômodo — ainda que cuidadosamente embalado na diplomacia europeia — sobre a crescente distância entre o Brasil que o governo Lula promete e o Brasil que o mundo efetivamente encontra. Merz falou pouco, mas disse muito. E, nas entrelinhas, expôs uma crítica direta à inconsistência da política ambiental brasileira, especialmente no momento em que o País tenta se apresentar como exemplar da COP30.

Quando o chanceler deixa a entender que saiu preocupado com o que viu na Amazônia e surpreso com o discurso ensaiado do governo federal, ele está sugerindo exatamente que há um abismo entre a retórica verde do Planalto e a prática real de gestão ambiental no País.

Merz deixou um recado, ainda que de modo velado: a Alemanha não embarcará incondicionalmente no ambicioso fundo amazônico proposto pelo Brasil. E a razão é simples: falta confiança e critérios sobre governança, fiscalização, capacidade de execução e, acima de tudo, compromisso político.

O chanceler viu que, enquanto Lula faz discursos inflamados contra a exploração de petróleo fora do Brasil, o seu governo avança internamente para licenciar projetos na foz do Amazonas e amplia a margem de negociação com petroleiras. Enquanto critica países desenvolvidos pelo “colonialismo climático”, o Planalto acena a investidores estrangeiros pedindo bilhões para compensar a própria incapacidade de controlar desmatamento ilegal e garimpo. Essas incoerências não passam despercebidas e serão contestadas.

O Brasil sonha com protagonismo ambiental, mas insiste em entregar uma imagem dúbia. Merz fez apenas o que diplomatas experientes fazem: descreveu, com elegância cirúrgica, o que viu: um país empenhado em narrativas, mas ainda hesitante em resultados. O Brasil precisa “mostrar mais” e “prometer menos” para obter credibilidade.

E credibilidade é o que falta no novo fundo amazônico. A Alemanha e outros países financiadores querem garantias de que não serão usados como adereços num espetáculo político. Querem saber se o dinheiro evitará o desmatamento ou financiará apenas desejos do atual governo brasileiro. Querem transparência, algo que o Brasil entrega pouco ou quase nada.

É sintomático que a crítica venha justamente agora, quando o governo se prepara para transformar a COP30 em vitrine de sua política ambiental. Merz deixou claro que a Europa não comprará a embalagem sem examinar o conteúdo. E que o Brasil, se quiser ser levado a sério como líder climático, terá de fazer mais do que discursos inflamados e anúncios eloquentes: terá de entregar política pública real, mensurável e coerente. A fala do chanceler alemão expôs aquilo que Brasília tenta esconder: o mundo já não se impressiona com promessas. O mundo quer compromissos verificáveis.

A declaração de Merz foi classificada por integrantes do governo brasileiro como uma “grosseria” e um ato de “‘xenofobia”, mas a reação oficial foi contida. Integrantes do governo Lula receberam a ordem de manter o silêncio público para evitar expor ainda mais as falhas do evento. A ONU já havia chamado a atenção do Brasil, cobrando segurança e soluções às falhas na infraestrutura, como problemas de refrigeração e falta de água nos banheiros, além do preço (e a falta) da comida, entre outras.

Para o chanceler — e para muitos estrangeiros e nacionais — o governo brasileiro está mais interessado em quanto vai arrecadar com o tal fundo amazônico do que qualquer outra coisa. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) e o deputado Rogério Correa (PT-MG), confirmaram essa desconfiança ao sugerirem que o Brasil preferia o dinheiro para o fundo à presença de Merz. Parece que será difícil, agora, verem a cor do dinheiro alemão, pelo menos a quantia que “sonhavam”.