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Marcelo Augusto Paiva Pereira

Arquitetura ou desenho da hostilidade

26 de Agosto de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: STOCKPHOTOS)

A arquitetura da hostilidade é um problema antigo e polêmico, atinge diversos países, dentre os quais o Brasil, onde grandes centros urbanos como Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo são exemplos.

Abaixo seguem alguns comentários.

É difícil definir aludida arquitetura, em razão da finalidade da arquitetura e do urbanismo ser o conforto (bem-estar), na razão de cada projeto e da função de cada edifício ou cidade. Tratá-la de arquitetura ou de intervenção urbana será inadequado, por não almejar o conforto. Melhor será atribuir o rótulo de desenho da hostilidade, visto o desenho ser de natureza diversa da arquitetura e do urbanismo.

Em face desse estranho e sombrio rótulo, pode-se defini-la como um recurso interventivo com a finalidade de limitar o uso da cidade pela população mais vulnerável (os desabrigados, marginalizados ou em situação de rua).

Nas cidades essa população busca espaços que sirvam de abrigo, onde possa obter algum conforto e segurança, embora não tenham sido projetados para tal finalidade. A ela, o conceito subjetivo que faz desses espaços é o que importa.

Realiza-se o desenho da hostilidade com a introdução de blocos de pedra sob pontes e viadutos, objetos pontiagudos defronte às portas de edifícios diversos, grades de ferro em praças, áreas públicas cobertas e bancos de jardins com apoiadores de braços no meio de cada. Maculam a urbanidade dos habitantes.

No dia 21 de dezembro de 2022, o presidente da República sancionou a Lei nº 14.489 (Lei Padre Júlio Lancellotti), que introduziu o inciso XX no art. 2º do Estatuto da Cidade, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, das quais estão a promoção de abrigo, acessibilidade, bem-estar, conforto e descanso na fruição dos espaços livres de uso público e proíbe a introdução dos desenhos da hostilidade com vistas ao afastamento de pessoas em situação de rua, além dos idosos, jovens e outros grupos sociais.

A solução ao desenho da hostilidade exige a conexão de várias secretarias e outras áreas, que visem a redução das desigualdades sociais da população e garantam o exercício da cidadania àqueles desabrigados. A construção de habitações populares e de abrigos aos moradores de rua pode contribuir enquanto almejem, de fato e de direito, a recuperação da dignidade perdida.

Conclusivamente, a arquitetura da hostilidade é um título impróprio, devido à finalidade ser contrária ao conforto, à urbanidade e à dignidade, efeitos sociais e jurídicos que atingem a população. Melhor será chamá-la de desenho da hostilidade, que também deverá ser combatida pelos poderes públicos para garantir o exercício da cidadania da população desabrigada, marginalizada ou em situação de rua. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista.