Carlos Pinto Neto
Euclides da Cunha era socialista? Um debate que persiste
Um debate que intriga historiadores brasileiros é se Euclides da Cunha era socialista. Neste ano, em 15 de agosto, a morte de Euclides da Cunha completa 116 anos. Embora não haja consenso absoluto entre os historiadores, a maioria sugere que Euclides da Cunha tinha profundas preocupações sociais e expressava ideias que se aproximavam do pensamento socialista, mas não pode ser categorizado rigidamente como um socialista científico nos moldes de Karl Marx.
Argumentos para um Euclides socialista
Pascoal Artese, um arquiteto, desenhista, professor e jornalista, defendia a tese de que Euclides da Cunha foi socialista. Artese cita que Euclides participou de uma passeata de 1º de maio promovida por socialistas. Ele também teria convertido uma festividade oficial na inauguração de uma ponte metálica que construiu em um “almoço proletário” com seus operários. Além disso, Euclides escreveu um bilhete ao Clube Internacional do Trabalho, no qual afirmava sua solidariedade com as decisões tomadas. Artese também sugere que Euclides ajudou a elaborar o “Manifesto Socialista” de outubro de 1901 e redigiu os regulamentos da “Cooperativa Socialiste”, fundada pelo clube em 1901. Ele também colaborou em “O Proletário”, um jornal socialista da época, e traduziu uma frase de Pampolini para o dístico do jornal.
A contestação de José Aleixo Irmão
No entanto, a Casa Euclidiana contesta formalmente a autoria desses manuscritos. Em seu livro “Euclides da Cunha e o Socialismo” (1960), José Aleixo Irmão apresenta documentos que refutam essas alegações. Ele argumenta que o clube “Filhos do Trabalho” não existia em 1899, e o jornal “O Proletário” só circulou a partir de dezembro de 1901, quando Euclides já estava longe de São José do Rio Pardo. Aleixo Irmão dividiu seu trabalho em duas partes: a primeira, estudando o temperamento do escritor através de cartas e testemunhos, e a segunda, intitulada “Contestação”, que aborda as fontes usadas para sustentar a falsa história da participação de Euclides no socialismo. Ele também estudou as origens da ponte metálica e a participação de Euclides nela. Ao final, apresenta um quadro sinótico da fundação, vida, lutas e morte dos clubes socialistas locais e do jornal “O Proletário”.
Um pensador complexo e engajado
Aleixo Irmão contesta a participação de Euclides no socialismo militante de beira-rio-Pardo, defendendo que Euclides demonstrou uma “evolução intelectual significativa”, e que “Os Sertões” já denunciava a miséria e a exclusão do povo sertanejo, fruto da negligência estatal e das desigualdades, explorando artigos e correspondências menos conhecidos, escritos após a publicação de “Os Sertões”.
O livro de Aleixo Irmão destaca que a experiência de Euclides no sertão baiano e o contato com a brutal realidade da Guerra de Canudos o impulsionaram a questionar o status quo. Essa busca por entender as “causas profundas” dos problemas brasileiros o teria aproximado de ideologias de transformação social radical. Aleixo Irmão aponta para a defesa que Euclides fez de Karl Marx e do socialismo em textos específicos.
Euclides da Cunha não pode ser categorizado simplesmente como socialista em um sentido ideológico estrito, mas ele possuía um forte senso de justiça social e uma profunda preocupação com as condições do povo brasileiro. Alguns estudiosos sugerem que ele pode ser visto como um precursor do “social-liberalismo contemporâneo”. Ele defendia o federalismo, o abolicionismo imediato, a democracia intransigente e uma “abertura social do liberalismo aos desamparados”. “Os Sertões” é uma crítica contundente à forma como a República lidou com a Guerra de Canudos, expondo as desigualdades sociais e a falta de compreensão das realidades do sertão. Euclides da Cunha denunciou os eventos de Canudos como um “crime nacional”.
Euclides da Cunha foi um pensador complexo e multifacetado, em constante evolução, que não se enquadrava perfeitamente em um único rótulo ideológico. Seus escritos revelam uma profunda indignação com as injustiças sociais e uma busca por soluções para os problemas do Brasil. É mais preciso vê-lo como um crítico social engajado, cujas ideias se desenvolveram ao longo do tempo, incorporando aspectos que iam além do liberalismo de sua época e se aproximavam de uma perspectiva de justiça social.
Carlos Pinto Neto é advogado, 1º Secretário da Academia Sorocabana de Letras, sócio efetivo do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Sorocaba.