Antonio Gonçalves
Quando o crime compensa
Não se iluda. O título não é uma apologia ao crime, muito menos, um reconhecimento de que as atividades ilícitas transnacionais são positivas ou benéficas ao País. Porém, é cada dia mais nítido a profissionalização e a busca pelo lucro das facções criminosas predominantes no Brasil. Com isso, as atividades criminosas progridem, prosperam e incomodam o Estado Brasileiro, em especial as do PCC e do CV.
Em que pese a existência de mais de 77 facções no território nacional, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) predominam nas atividades criminosas nacionais e internacionais. Uma história marcada por idas e vindas, acordos e guerras, muitas mortes, porém, algo sempre uniu as corporações do crime: o lucro.
Com as milícias como mais um elemento na disputa pelo poder e pelo mercado, uma nova parceria, ainda que não escrita, é firmada entre as facções, com um tópico diferente do que se esperaria como armas e drogas, pois, o tema é o mercado de internet e combustível.
Após os acontecimentos de 2016 a 2018, foi firmado um acordo tácito de respeito mútuo das regiões de atuação e das atividades. Assim, mesmo operando no Rio de Janeiro na exploração de combustíveis, através do furto em dutos de petróleo e da venda de combustível adulterado, a facção paulista consolida sua posição nesse mercado.
Já a facção fluminense ramifica suas atividades através do serviço de internet e com ingresso lícito pela falta de fiscalização em território nacional, inclusive o paulista, com anuência da facção paulista. Segundo a Anatel há 890 prestadoras de banda larga dispensadas de outorga de permissão legal para funcionamento.
E qual a relação das atividades com o crime organizado transnacional? Em tese nenhuma, porém, na prática o que se vê são as facções paulista e carioca diversificando suas atividades a fim de obterem rentabilidade. O plano tem sido exitoso, ainda mais com o acordo de não intervenção de um nas atividades do outro, uma clara parceria de negócios.
A facção paulista ainda tem investido na aquisição de tecnologia e nas negociações com criptoativos. Com o avanço da facção carioca na área da informática não será nem um pouco surpresa se houver um alargamento de interesses com o uso de hackers e o cometimento de crimes cibernéticos em parceria entre as facções.
De outro lado temos o Estado. Se organizando, estruturando e lutando pela aprovação da PEC da Segurança Pública, sem ter um Plano Nacional de Segurança Pública estabelecido ou sequer feito. O serviço de inteligência atua como pode diante das próprias dificuldades orçamentárias que impõe déficit de pessoal e defasagem tecnológica e falta de integração sistêmica do banco de dados das corporações.
O crime organizado internacional aprendeu que para ter lucro é preciso diversificar e investir com inteligência e estratégia. A facção paulista já há algum tempo banca para seus membros os estudos em faculdades de direito para formar advogados, promotores e juízes. Ademais, a cada eleição, as facções se mobilizam para eleger representantes seja na Câmara Municipal ou na Assembleia Legislativa.
E o Estado Democrático de Direito brasileiro? Segue se estruturando e se organizando. O Congresso Nacional tem promovido um endurecimento penal continuado, todavia, não se afeta o principal: a estrutura e a organização criminosa e, tampouco, se atinge o lucro diante dessa diversidade de atividades.
O Brasil precisa investir em cooperação internacional a fim de apreender o dinheiro ilícito e minorar o lucro das facções. Ademais, é indispensável investir em inteligência e investigação a fim de desmantelar e desequipar as estruturas do crime. Prevenir, investigar, rastrear e trabalhar para evitar as transações na livre circulação do crime organizado é o que se pode chamar, efetivamente, de se organizar e se estruturar. Por enquanto, seguimos apenas e tão somente enxugando gelo ao passo que as facções se transmutam para potências econômicas globalizadas.
Antonio Gonçalves é advogado criminalista.