Dom Julio Endi Akamine
A cidade e a torre

O episódio da Torre de Babel é bem conhecido (Gn 11,1-9). A humanidade unida, vivendo concentrada em um só lugar, decide construir “uma cidade e uma torre cujo cimo atinja o céu”. Esse projeto seria um monumento à unidade, ao poder e à eficácia da humanidade. As pessoas planejam e sonham: “Assim, ficaremos famosos, e não seremos dispersos por toda face da terra”.
Notemos que a humanidade não está mais concentrada num casal (Adão e Eva), nem em um clã (Noé), mas alargada em uma grande massa que inclui todos os povos da terra. Além disso, está concentrada em um lugar e unida por uma língua única. Todos falam a mesma língua e se entendem.
Nessa unidade e harmonia se insere, porém, o desejo de chegar até o céu por suas próprias forças. A pretensão de autossalvação está na base da desarmonia e da conflitualidade humana. O relato da Torre de Babel é a descrição do pecado original em escala social. Por isso, o nome da cidade, que significa etimologicamente “porta do céu”, passa a significar “lugar da confusão” no relato bíblico.
O episódio de Babel não é somente um evento do passado. Infelizmente é um paradigma do que acontece no presente: as pessoas não se entendem não só por causa da diferença linguística, mas principalmente por causa da soberba e do orgulho dos seus projetos. A ambição humana, o desejo de se tornar famoso e de se autorredimir, chegando ao céu por suas próprias forças, converte os projetos humanos na fonte da desarmonia e da confusão.
O relato bíblico, no entanto, tem uma mensagem de esperança velada. A ambição humana de querer subir até o céu não impede que Deus desça até a humanidade. Em Babel, Deus desceu para confundir as línguas. Mesmo que a sua descida tenha tido um efeito negativo, Deus não abandonou a humanidade pecadora à sua própria sorte. Assim, ao virar para a próxima página do Gênesis, encontraremos o chamado de Abraão, realizado com o objetivo de abençoar todos os povos da terra.
A resposta do Novo Testamento para Babel será Pentecostes. A dispersão babélica será definitivamente superada pela vinda do Espírito Santo, quando povos de diversas línguas entenderem a pregação dos apóstolos.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.