Dom Julio Endi Akamine
O dilúvio é a aliança

Noé é como um novo Adão, com quem a vida humana recomeça (Gn 8,6-13.20-22).
Podemos nos perguntar: a humanidade que surgiu de Noé será diferente? O próprio relato do Gênesis nos dá a resposta: o ser humano tem “más intenções no coração desde a infância” (Gn 8,21).
A conclusão pode parecer muito pessimista, pois parece que de nada adiantou o castigo divino; o ser humano não aprende com seus erros e seu coração está pervertido desde jovem. A impressão é de que o dilúvio deverá se repetir mais vezes.
A decisão de Deus é, porém, diferente daquela que nós podíamos esperar. Deus decidiu nunca mais “amaldiçoar a terra por causa do ser humano”. A história de Noé e do dilúvio universal se torna assim a revelação de um Deus que não abandona a humanidade no pecado. Se no prólogo do relato do dilúvio universal a constatação da perversidade humana teve como resultado o castigo, depois que Noé saiu da arca, tal constatação conduz para uma promessa de estabilidade da ordem natural e da preservação da vida: “nunca mais tornarei a amaldiçoar a terra por causa do ser humano, por ter más intenções no coração desde a infância; nunca mais tornarei a atingir todo o ser vivo como acabo de fazer. Todo tempo que a terra durar, plantio e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite, jamais hão de cessar” (Gn 8,21-22).
É preciso que entendamos bem. O relato do dilúvio não é somente uma história de um passado distante. É sobretudo o paradigma do nosso presente e futuro. O pecado da humanidade, ainda que tenha uma punição intrínseca, nunca irá suplantar a misericórdia divina. Até mesmo a constatação de que são “más as intenções no coração desde a infância”, em vez de fazer fracassar os desígnios de Deus, nos levar a uma confiança ainda maior nas promessas divinas.
Depois do dilúvio, Deus estabeleceu uma aliança com Noé (Gn 9,1-13). Nessa nova aliança, Deus repete as mesmas palavras proferidas quando criou o mundo: crescer, multiplicar-se, encher e dominar a terra e fazer dela a sua morada. Essas palavras soam também como palavras de promessas.
Mas juntamente com essa ordem-promessa está a ordem-mandamento. É o mandamento de respeitar a vida desde a dos animais até a dos homens. No caso do respeito à vida animal, o respeito se limita ao tratamento ritual adequado do sangue: o homem pode se servir dos animais como alimento. No caso do ser humano, a vida humana deve ser salvaguardada em absoluto. A vida do outro vale tanto quanto a própria vida. Além disso é o próprio Deus que defende a vida humana, com sua presença nela, uma vez que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.
A aliança com Noé consiste na promessa de que não haverá outro dilúvio que destrua a terra. Deus faz um pacto de defesa da vida. Por isso a ofensa contra a vida é ofensa contra Deus. Uma vez que a vida manifesta a ação criadora de Deus, atentar contra a vida, qualquer que seja ela, significa também atentar contra Deus e sua ação criadora.
A promessa tem como sinal o arco-íris, que recorda Deus a sua promessa de proteção. É para nós um sinal perene da presença do Criador na criação. Ele não se confunde com a criação, mas mantém a sua ordem e sua permanência.
Assim a aliança com Noé significa a promessa de paz, de vida, de salvação. A humanidade inteira desfruta dessa ação benéfica e protetora de Deus.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba