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Dom Julio Endi Akamine

Ser como Deus (Gn 3,1-8)

07 de Fevereiro de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: FREEPIK)

O diálogo entre a serpente e a mulher no relato do pecado original tem grande profundidade psicológica. Depois de ter chamado a atenção para o fruto proibido e provocado na mulher a insegurança quanto a proibição divina, a serpente lança o ataque final: “Deus sabe que no dia em dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal”. Deus proibiu de comer do fruto, não por uma intenção de amor, mas porque não deseja que o ser humano cresça e conheça tanto o bem quanto o mal. A serpente tira a base da proibição divina: o amor. Ela acusa Deus de ser mal-intencionado, e, por fim, promete que o homem e a mulher serão como Deus ao comer do fruto proibido.

A serpente disse que Deus tinha proibido comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal porque não queria Adão e Eva sábios e conhecedores do bem e do mal. Preste atenção: a tentação consiste em propor ao ser humano que conheça por experiência direta o mal. Muitas vezes, pensamos como a serpente. Achamos que devemos conhecer tudo por experiência direta.

O que a serpente não explicou aos nossos primeiros pais é que Deus conhece o mal abstratamente sem experiência direta, ou seja, pela negação de sua bondade e seu amor. O ser humano, porém, comendo do fruto, iria conhecer o mal experimentalmente e, por isso, se tornaria escravo dele.

Deus quer que conheçamos a doença como um médico saudável a conhece, ou seja, abstratamente, através do estudo. Ele não desejou que conhecêssemos a doença ficando doentes. A grande mentira de Satanás é a de vender o conhecimento do mal como bem e a sua ignorância como um mal, mas a realidade é exatamente a inversa: entre o conhecimento experiencial do mal e a sua ignorância é melhor esta última.

É só examinar a vida concreta com objetividade. Pergunte a você mesmo: o fato de você ter conhecido o pecado por tê-lo experimentado diretamente, isso o fez mais sábio ou mais escravo do mal? Ao pecar, você não desprezou essa forma de conhecimento, não se sentiu infeliz por tê-lo experimentado? Quantas pessoas já disseram a você: “Queria nunca ter experimentado a droga, a bebida alcoólica? Arrependo-me do primeiro real que roubei?” Essas pessoas seriam realmente mais sábias se tivessem sido ignorantes do pecado. É mentira achar que para “conhecer a vida” se deva “experimentar o mal”. Por acaso um doutor é mais sábio porque está infectado pela doença que deveria curar?

Outra grande mentira da serpente é a de que as pessoas inocentes não sabem o que é a tentação. Os inocentes, porém, conhecem mais sobre a força da tentação do que aqueles que nela caem. Como se conhece a força da correnteza de um rio? Nadando a favor ou contra a corrente? Os que se deixam levar pela tentação se desculpam dizendo que a tentação é muito forte. No entanto, quem melhor conheceu a força da tentação foi Jesus porque a venceu. Ninguém melhor do que Ele conhece a força da tentação, exatamente porque não cedeu a ela.

Depois do pecado, Adão e Eva tiveram sim seus olhos abertos, mas em vez de experimentar a sabedoria, perceberam que estavam nus. A nudez é a experiência do estado de indigência, pecado e escravidão. Por isso eles se escondem de Deus.

Uma última pergunta devemos nos fazer: é verdade que Deus não quer que sejamos como Deus? O mistério da encarnação nos mostra que o desejo mais verdadeiro e ardente de Deus é que nós sejamos como Ele. Então onde está a diferença entre a vontade de Deus e a da serpente? A diferença consiste no fato de que Deus deseja que sejamos Deus em comunhão de amor com Ele. A serpente deseja que sejamos deus, sem e contra Deus.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.