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Nelson Fonseca Neto

De olho no retrovisor

06 de Fevereiro de 2025 às 22:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

 

Nasci em novembro de 77, não lembro nada dos anos finais da década de 70 e é por isso que me julgo um cara vindo dos anos 80.

Não espere que eu comece a escrever aqui um emocionado panegírico da década do Sarney. Aquilo ali foi bem complicado, e uma criança já ia tendo uns vislumbres de que a cuíca roncava forte naqueles anos. Lembro nitidamente de um pessoal meio bravo nos supermercados. Eram os “fiscais do Sarney”.

Eu olho pros confortos a que um cara como eu tem acesso e acho covardia comparar o que temos agora com o que tínhamos naquela época. Nunca vou cansar de olhar embasbacado para esses supermercados grandões, freneticamente iluminados, abertos 24h.

Nos anos 80 era uma janelinha na padaria Catani. E a gente tinha que agradecer de mãos juntas ter conseguido comprar dois saquinhos de leite e uns pães na noite sorocabana. Um detalhe importante: a transação acontecia, no máximo, perto das dez da noite.

Hoje temos centenas de canais na tv a cabo, serviços de streaming, YouTube, essas coisas todas. Os aparelhos de ar condicionado de última geração são silenciosos, inteligentes, com design que orna bem com a decoração. Os aparelhos de antigamente eram umas caixas pesadas, barulhentas, temperamentais. Quem viveu naquela época sabe do que estou falando.

Mas não é o caso de sair espinafrando os anos 80 como o império da precariedade e da cafonice. Digo isso porque vira e mexe eu vejo “festas do cafona” inspiradas nos anos 80, e aí o pessoal mais novo pode entender mal e achar que tudo era horroroso naqueles anos.

Sendo bem sincero: algumas coisas eram esquisitas mesmo. Era comum a mistura de veludo com lycra, e isso, convenhamos, é bem complicado. Não dá pra relativizar. Os que gostam de espinafrar os anos 80 garimpam vídeos de alguns grupos musicais que tocavam nos programas de auditório mais famosos. E aqui eu tenho que ser bem sincero de novo: “Loco Mía” queima o filme de qualquer década. Mas sigamos.

Já ouvi mais de um cara dizer que a década de 80 foi péssima para o cinema. Eu poderia abrir a caixa de ferramentas e falar de “Blade Runner” ou de “O Iluminado”, mas vamos falar de alguns filmes que tomavam conta das sessões da tarde. Se você não consegue perceber que filmes como “Um príncipe em Nova York”, “Warriors” e “Trocando as bolas” são sensacionais, me desculpe, a gente para a conversa aqui.

Eu falo essas coisas, mas dou umas derrapadas. De vez em quando eu procuro uma música daquela época no Spotify e ouço na moita. Não quero que ninguém saiba.

Aconteceu na semana passada algo interessante. Depois de ouvir uma sequência toda cheia de marra de blues, bateu uma vontade de ouvir umas músicas bem melosas dos anos 80, aquelas que transformavam os bailinhos em vales de lágrimas.

Procurei aquelas músicas românticas me sentindo culpado. Como um cara descolado como eu ia chafurdar no lodo dos solos de guitarra e dos sintetizadores? Pois é, durou pouco, e eu acordei para a realidade: nos anos 80, quando eu ligava o rádio, não tocava Duke Ellington; tocava “What a feeling”, da Irene Cara. Não era corriqueiro alguém se deparar com “O encouraçado Potemkin” na televisão; a gente ia de “Rocky IV” mesmo.

E vamos encerrar isto aqui com uma provocação: você acha que muita coisa considerada o sumo do refinamento vai ser encarada assim daqui a vinte, trinta anos? Cara, desculpe informar, a calça curta do terno, mostrando a canela e o sapato sem meia, está com os dias contados. Não custa torcer.