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Nelson Fonseca Neto

A pedraria genial da coroa

16 de Janeiro de 2025 às 21:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
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. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

 

Reconheço que as crônicas deste espaço não carregam títulos ousados. Escrevo o texto sem pensar muito nas letras de destaque no topo. Demoro uns dez segundos pra resolver a parada, e isso só depois que chego ao último ponto do último parágrafo. Sempre foi assim, mas só agora me dei conta.

Eu gostaria de ser um Campos de Carvalho. Vejam as maravilhas que dão nome aos seus livros: “A lua vem da Ásia”, “Vaca de nariz sutil”, “A chuva imóvel”, “O púcaro búlgaro”. O sujeito se depara com isso e fica curioso. Não tem como não ficar.

Muito se tem falado do Dalton Trevisan nos últimos dias. Merecido: ele morreu há pouco e foi o maior contista brasileiro. Dá pra ficar um tempão falando a respeito de suas qualidades, mas tem um negócio aqui que nos interessa mais hoje: os títulos dos seus livros.

Sintam o drama de alguns: “O vampiro de Curitiba”, “A trombeta do anjo vingador”, “Meu querido assassino” “Essas malditas mulheres”, “Quem tem medo de vampiro?”, “”Capitu sou eu”, “Macho não ganha flor”, “Arara bêbada”, “A gorda do Tiki bar”. E por aí vai.

Convenhamos: o Dalton Trevisan chutava o balde na hora de batizar seus livros.

Chutava o balde na direção da canastrice, do escandaloso, do meloso. Basta ler uns poucos contos dele pra constatar que os títulos têm tudo a ver com os enredos. Eles sintetizam o mundo perturbador do grande curitibano.

Por ser um leitor fanático do Dalton Trevisan, já passei uns perrengues. Gosto de andar por aí com os livros que estou lendo. Sou dos que aproveitam qualquer brecha pra ler um pouco. Difícil me aborrecer numa sala de espera. Pode parecer meio antiquado falar, mas vamos lá: ler é legal.

Só que às vezes tem gente reparando no que você está lendo. Quem não passou por isso no ônibus, no metrô, no saguão? Quase sempre quem está lendo recebe um olhar mais indiscreto, e fica só nisso. Mas tem dia em que o azar é grande e o leitor é indagado a respeito do livro. Quer dizer, azar pra mim. Pode ser que você seja mais sociável e goste de bater papo com estranhos.

Eu fico meio constrangido quando alguém vem com tudo com a pergunta: sobre o que é o livro? Como responder na lata? A pessoa que perguntou espera um resumo do enredo?

Por exemplo: estou com um livro de contos do Dalton Trevisan. Aí eu respondo: são umas histórias meio cabeludas que nunca terminam bem. É assim? Ou algo mais elegante? Tipo: são narrativas de um mestre da literatura brasileira. Sei lá.

Eu tenho pavor de ouvir gente fazendo resuminho de livro ou de filme. Aumenta a aflição quando o cara que está resumindo faz a coisa com empolgação. Tenho uma preguiça danada de recontar a história em cinco minutos.

Mas voltando ao lance dos títulos do Dalton Trevisan: na semana passada, eu fui à padaria com três livros dele: “Guerra conjugal”, “A faca no coração”, “Lincha tarado”.

Peguei um café e fui até uma mesa. Um casal que estava perto viu os livros e começou a cochichar. A moça e o moço estavam horrorizados. Quase saí dizendo: calma, gente, não é o que vocês estão pensando.

(E pra mostrar que em 2025 pretendo ser um cara melhor, vou tascar um título bem bacana lá no topo.)