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Nildo Benedetti

Minissérie da Netflix: ‘Corpo em Chamas’ (parte 6)

26 de Setembro de 2024 às 22:39
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A atriz Rita Hayworth, ícone da mulher fatal de filmes noir das décadas de 40 e 50
A atriz Rita Hayworth, ícone da mulher fatal de filmes noir das décadas de 40 e 50 (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Rosa, a “Femme fatale”

No episódio 7 da série “Corpo em Chamas”, a advogada de Rosa diz que os jornais falam e repetem que o assassinato de Pedro é tratado como o caso da “femme fatale e o pobre selvagem”.

Nas décadas de 1940 e 1950 houve nos Estados Unidos um subgênero de filme policial designado como Film Noir. Eram filmes de mistério em que raramente faltava a “femme fatale”, ou seja, a mulher fatal.

Para discorrer sobre este tópico devemos partir do pressuposto de que o crime tenha sido cometido por Rosa e Albert, mas que Rosa foi quem arquitetou o homicídio e, astutamente, induziu Albert a praticá-lo ou a ajudá-la na tarefa. Ou seja, que ele esteve a serviço da vontade dela.

No seu livro “Lacrimae Rerum”, o filósofo e psicanalista Slavoj Zizek compara a femme fatale clássica (a dos filmes noir da década de 1940) com a femme fatale dos filmes de mistério lançados a partir da década de 1980 e 1990. Zizek dá o nome de “neonoir” a esses filmes. O que escreveremos a seguir baseia-se naquele livro.

Rosa tem os ingredientes da femme fatale na sua nova versão, a da década de 1980 e 1990, que é muito diferente daquela da década de 40 ou 50. A mulher fatal das décadas de 40 e 50 — por exemplo, Rita Hayworth — era um perigo porque colocava em cheque o domínio patriarcal masculino. É o próprio sistema patriarcal que a coloca como inimiga e, por isso, é geralmente destruída no final. Já na nova versão da femme fatale, é o homem que é destruído pelo poder da sedução da mulher.

Albert é um policial violento, com processos judiciais por agressão e é suspeito de morte de um mendigo. Vai se degradando moralmente e se reduz a um idiota condenado a se perder, corroído pelo ciúme de Pedro, que Rosa habilmente estimula. Escreve Zizek que a femme fatale neonoir continua exercendo um poder sedutor irresistível sobre o companheiro. Sua estratégia não é enganá-lo, mas é mostrar-se claramente como ela seja. Mas o companheiro masculino é incapaz de aceitar isso, agarra-se desesperadamente à convicção de que, por baixo da superfície manipuladora e fria da mulher fatal, exista um bom coração que deve ser salvo e que a frieza de sentimentos e a capacidade de manipulação de parte dela são apenas uma estratégia defensiva de uma mulher frágil e apaixonada. É desse modo que pensam e agem Albert e Pedro, enquanto se encaminham irreversivelmente para a ruína.

Zizek descreve que a agressividade sexual frontal da nova femme fatale como sendo “não só verbal como física, pela mercantilização direta de si mesma, mente de cafetão em corpo de puta”. A nova femme fatale vence quando se engaja integralmente no jogo masculino e manipula o parceiro. Este é presa da sua sedução. A nova mulher fatal ameaça à lei paternal de modo muito mais eficaz do que levada a efeito pela femme fatale das décadas de 40 e 50.

Rosa mente para todos (aos pais, à polícia, à justiça, aos amigos, nas relações amorosas etc.). No casamento dela com Javi diz: “Rosa e Javi foram corajosos. Fizeram o que hoje ninguém mais quer fazer, que é dizer “para sempre”. E não da boca para fora. Sim, eu os conheço muito bem”.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec