Buscar no Cruzeiro

Buscar

Tatiana Cristina Silva Rocha

O relógio do gestor tem mais ponteiros

17 de Setembro de 2024 às 22:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
.
. (Crédito: FREEPIK)

 

O relógio do gestor tem mais ponteiros é uma breve reflexão sobre a tentativa de desburocratizar a legislação e a execução de recursos públicos.

O pensamento político do imperador Pedro 2º, em carta que escrevera à sua filha, princesa Isabel, e que hoje faz parte do compilado que recebeu o nome “Conselhos à regente”, assevera: Uma despesa inútil é um furto à nação.

Esse tem sido se não o maior, um dos gigantescos desafios de gestores públicos ao redor do mundo todo. As políticas públicas devem ser dotadas de ações em todos os ramos sociais e ainda, acompanhar a rapidez com que o mundo se transforma, sob pena de tornar-se obsoleta e, por conseguinte, não passar de um furto à nação.

Como lidar com as mudanças tecnológicas, adequações sociais, climáticas e de pensamento, de forma eficiente e eficaz?

Nas aquisições públicas, recorte que será objeto do presente artigo, o relógio do gestor tem mais ponteiros..

Ele terá sim o ponteiro de definição do tempo semântico, período em que as coisas acontecem em uma sequência natural de eventos, e assim, são normatizados, como ano orçamentário, exercício fiscal, legislaturas. Mas do ponto de vista fático, o relógio do gestor deve atentar ao ponteiro do interesse público e sua de urgência, e ao ponteiro da legislação vigente, verificando o que ela permite realizar no período em que se propõe.

O desafio é tão grande e tão discutido, que a Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), Lei nº 14.133/2021, foi editada com a finalidade de reunir dispositivos legais distintos, que previam diversas adequações voltadas a otimização do tempo do gestor e de seu planejamento, bem como dar mais transparência as suas ações, teve seu início de vigência postergado, por não ter dado “tempo” para a adequação da Administração Pública.

A tentativa de trazer dispositivos mais céleres, já tinha se iniciado com a Lei nº 10.520/2002 que criou a modalidade “pregão”, nela, a grande inovação era a inversão das fases de habilitação da empresa e das propostas, tornando necessária a análise documental apenas daquelas cujas propostas atendiam às necessidades editalícias, evitando um trabalho desnecessário. Foi um marco.

Ao receber a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil se deparou com a inviabilidade de realizar obras de forma rápida, haja vista a antiga Lei nº 8.666/1993, exigir um procedimento licitatório distinto para cada uma das fases da realização destas obras, assim divididas: projeto básico, projeto executivo e a execução da obra em si.

Diante disso foi criado o Regime Diferenciado de Contratação, por meio da Lei nº 12.462/2011 e com ele, a contratação integrada (podendo licitar as três fases de uma só vez), o orçamento sigiloso (visando a proteção da Administração Pública contra sobre preços) e a negociação com o licitante vencedor. Mas a norma, que chegou a ser aplicada nas áreas da Saúde e da Administração Penitenciária, não chegou a atender todas as esferas da Administração, tendo permanecido, em alguns estados, sem sequer ser regulamentada, a exemplo do Estado de São Paulo.

E assim vieram outros avanços, como a análise e distribuição, por meio de Matriz de Riscos, daqueles riscos que deveriam ser reconhecidos, mitigados, absorvidos, identificando seu responsável e grau de possibilidade de ocorrência. Esta inovação foi trazida pela legislação das Parcerias Público Privadas, Lei nº 11.079/2004.

Mas este emaranhado de normas e suas diversas inovações acabavam perdidas meio a jogos de luz e sombras que dificultavam ainda mais a análise e posicionamento dos gestores públicos.

A NLLC veio como uma compilação destas normas e obviamente acabou por instituir outras. Ela ainda ampliou o rol de conceitos elevados a condição de princípios para a proteção dos atos administrativos e condução de seus agentes, mas buscando viabilizar sua celeridade de execução, e com isso respeitando os demais ponteiros do relógio do gestor público com foco no planejamento, compliance e transparência.

O planejamento se torna uma fase complexa em um primeiro olhar, onde se exigem estudos prévios de viabilidade, sobre a vida útil do bem e seu valor de mercado, período de utilização e a necessária previsão por meio do plano anual de contas. Tudo isso, para que a velha máxima das caixas e caixas de caneta com a tinta seca não voltem a se repetir em nenhum dos órgãos públicos.

A NLLC, que passa efetivamente a ser utilizada no presente ano, vem requerer uma ampla capacitação e adequação dos gestores públicos em todas as esferas da Administração, se mostrando como importante evolução legislativa. E não se pode olvidar que, a inovação é condicionante a sobrevivência, e acompanhar os avanços sociais é condição para o pleno funcionamento do relógio do gestor, sendo seus ponteiros guardiões e vigias contra “furtos à nação”.

Tatiana Cristina Silva Rocha é major de Polícia Militar, atuando na PMESP há 26 anos. Atualmente, exerce a função de subdiretora de Defesa Civil do Estado de São Paulo.