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Marcelo Augusto Paiva Pereira

Getúlio Vargas e o modernismo

22 de Agosto de 2024 às 22:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
Foto do Conjunto Presidente Getúlio Vargas, da década de 50, em Deodoro, Zona Norte do Rio de Janeiro.
Foto do Conjunto Presidente Getúlio Vargas, da década de 50, em Deodoro, Zona Norte do Rio de Janeiro. (Crédito: REPRODUÇÃO)

O golpe de Estado dado por Getúlio Vargas pôs fim à República Velha (1889-1930), à política do café-com-leite e às características que assim a identificavam. Além de inovar na administração pública, também o fez em relação à arquitetura dominante, com o fim de distinguir seu governo dos anteriores. Abaixo seguem alguns comentários.

Ao tempo da República Velha a economia dominante era sustentada pelo café e pela produção leiteira dos latifundiários dos Estados-membros de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A indústria, pouco desenvolvida, foi estimulada no governo de Nilo Peçanha (1909-1910) e prosseguiu no governo de Hermes da Fonseca (1910-1914) que, à iniciativa privada, fomentou a produção de habitações populares.

Foram, então, construídas vilas operárias pelos industriais aos trabalhadores das indústrias a que pertenciam e, pelos particulares, vilas destinadas a qualquer trabalhador. Não havia políticas públicas a eles; os investimentos (estrangeiros) existentes eram destinados às melhorias urbanas e às classes econômicas mais favorecidas. Nesta época a corrente arquitetônica dominante era a eclética.

Com o golpe de Estado dado por Getúlio Vargas, os investimentos do Estado visavam substituir as importações por produtos produzidos no Brasil e favorecer os trabalhadores urbanos, inclusive com a construção massiva de habitações populares, pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP) das categorias profissionais (industriários, comerciários, bancários etc.). A corrente arquitetônica acolhida foi a modernista.

Sob o domínio do modernismo diversos conjuntos habitacionais foram construídos em todo o País, com notável qualidade na produção de habitação popular (ou social). O IAPI foi o instituto que mais as construiu, tanto na forma de casas térreas e assobradadas quanto na de edifícios de apartamentos. O IAPC, todavia, inovou na arquitetura ao construir os primeiros conjuntos habitacionais na forma “H” (o primeiro deles foi erguido no bairro de Ramos, Rio de Janeiro, na segunda metade da década de 1940). O IAPB construiu 85% de apartamentos, em edifícios altos ou em blocos únicos, em pequenos lotes próximos aos centros das malhas urbanas (eles verticalizaram as cidades).

Getúlio Vargas fez uso das habitações populares para criar e consolidar a base social e política de seu governo e, também, desenvolver a sociedade urbana e industrial, formada de trabalhadores (operários). Para Vargas a habitação era transformadora do “status” do trabalhador, educativa (local da formação familiar) e devia ser financiada e produzida pelo Estado (através dos IAP).

Conclusivamente, Getúlio Vargas deu outra imagem ao seu governo ao acolher a arquitetura modernista para afastá-lo da imagem da República Velha e representar a modernidade que almejava para o Brasil. As habitações populares serviram de arquitetura simbólica (representante da dignidade do trabalhador), inclusive para consolidar a política e a identidade do seu governo. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista.