Antonio Gonçalves
PEC das facções criminosas
As facções criminosas são uma realidade no Brasil, com atividades variadas como roubo de carga, tráfico de drogas, armas, softwares de veículos, além do contrabando de cigarros, dentre outras ilicitudes. O dinheiro arrecadado impressiona, não por acaso, atualmente, temos mais de 77 facções criminosas no País.
Em São Paulo, somente com cigarros clandestinos, o lucro diário é superior a um milhão de reais para a facção criminosa predominante no Estado. Já a concorrente carioca amplia seu território em conflitos com as rivais e as milícias no domínio pelo comércio ilegal, tráfico de drogas e, especialmente roubo de cargas, que na rota entre São Paulo e Rio de Janeiro produziu mais de 1 bilhão de reais no ano passado em prejuízos para as empresas, segundo dados da Overall.
A população brasileira clama por segurança pública, não é uma novidade. O impacto das atividades das facções no cotidiano dos brasileiros resulta na maior frota de veículos blindados do planeta, sendo que a maciça maioria é de São Paulo e Rio de Janeiro.
Com isso, o Congresso Nacional, em ano eleitoral, responderá da forma como tem feito nos últimos anos: com endurecimento penal. O presidente da Câmara dos Deputados pretende criar e votar, até o final do ano, a PEC das facções criminosas com o objetivo explícito de aumentar penas e dificultar progressões de regime dos membros das facções.
O tema segurança pública atrai a atenção tanto do Governo Federal quanto Estadual, afinal, é o que mais aflige o brasileiro, segundo pesquisa do Datafolha. O ministro da Justiça e da Segurança Pública Ricardo Lewandowski também defende a aprovação de uma PEC, porém, para a inserção do Sistema Único de Segurança Pública na Constituição Federal, com previsão de medidas de segurança a serem criadas pela união, estados, municípios e Distrito Federal.
Aos olhos do leigo se tem a impressão de que a segurança melhorará e que as novas mudanças, quando aprovadas, surtirão efeito positivo contra a criminalidade organizada brasileira. Será?
A insegurança pública nacional não prolifera por falta de orçamento ou por carência de endurecimento penal, mas sim, por desorganização do próprio Estado Democrático de Direito brasileiro. Afinal, problemas estruturais graves como falta de investimentos em tecnologia para questões basilares como um banco de dados unificado e integrado entre as polícias, por exemplo, dificultam e muito o trabalho das polícias, já que um assassino não tem seu mandado de prisão inserido no sistema nacionalmente, logo, em tese, pode praticar crimes em outros estados sem ser incomodado, simplesmente por falta de informação entre as corporações.
Questões como falta de efetivo nas polícias prejudicam, afinal, a Polícia Militar opera com menos de 70% do efetivo previsto em lei. A Polícia Civil opera em 63%. Ademais, temos diferenças salariais, represamento de concursos, inchaço na folha salarial por presença de oficiais acima do limite previsto em vários estados brasileiros.
O resultado é o comprometimento nas atividades preventivas, especialmente, na investigação a fim de se evitar a prática de crimes. Porém, o maior e mais sensível problema, fora a estrutura, é a ausência de um Plano Nacional de Segurança Pública a ser seguido pelos estados de maneira uniforme.
Atualmente, cada Estado cria e monitora o que melhor lhe importa, o resultado é o jargão popular da polícia: seguimos enxugando gelo! Endurecer não é a solução, organizar, planejar e estruturar são o caminho para um Brasil que, efetivamente, pode enfrentar mais bem equipado as facções criminosas.
Antonio Gonçalves é advogado criminalista, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP.