Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘A Vida em Mim’ (parte 4 de 4)
O neofascismo, que hoje existe espalhado pelo mundo, é uma das manifestações da nostalgia do passado. É uma ideologia de extrema-direita que guarda semelhanças com as ideologias ditatoriais europeias do século 20. Muitos de seus membros declaram-se abertamente nazifascistas. O indivíduo que segue essa ideologia combate a cultura (no sentido intelectual), é moralista (muitas vezes artificialmente), é nacionalista, racista, anticomunista (geralmente sem ter ideia do que seja o comunismo), xenófobo contra imigrantes e minorias, não acredita na ameaça ambiental, muitas vezes é antissemita.
A ultradireita adota formas particulares em cada país e pode ou não adotar uma posição neoliberal na economia. Por exemplo, no caso da França, Bauman cita um pensamento do sociólogo francês Luc Boltanski, que compara a ultradireita francesa com a norte-americana: “Ela é marcada, simultaneamente, por anticapitalismo (à diferença do neoconservadorismo norteamericano), moralismo e xenofobia. De maneira quase obsessiva, se concentra na questão da identidade nacional, na oposição entre o genuíno (e bom) povo francês e os imigrantes dos subúrbios, amorais, violentos e perigosos e acima de tudo propensos a se aproveitar da bondade do Estado de bem-estar social”. A seguir, Bauman afirma que a política francesa oficial da tolerância é considerada frouxidão pela ultradireita e deve ser neutralizada por decidida repressão policial.
Talvez a melhor explicação para o presente surto neofascista seja a exposta pelo filósofo alemão Theodor Adorno em 1950, em um texto que tinha por título “A personalidade autoritária”. Nela, Adorno apontou o surgimento do homem potencialmente fascista, suscetível à propaganda antidemocrática, inclinado a se submeter incondicionalmente ao poder e à autoridade. É um indivíduo que está sempre pronto a criar uma base racional — no caso atual, competição pelo emprego com os imigrantes e refugiados, necessidade de um regime totalitário para frear a cupidez e a corrupção dos políticos, conter a violência urbana etc. —, como subterfúgio para justificar sua hostilidade irracional a ampla variedade de minorias: os que não compartilham de seus “valores cristãos”, os pertencentes a outra etnia, os ciganos, os descartáveis pelo sistema econômico, os homossexuais etc..
A rejeição aos imigrantes da Europa se deve a um forte sentimento nacional e existem razões históricas para tanto. No Brasil, felizmente, não odiamos estrangeiros, porque somos uma mistura de etnias de todos os continentes. O preconceito contra nordestinos ou o movimento separatista “o Sul é o Meu País” não têm efeitos sensíveis na vida política brasileira. Contudo, embora sem xenofobia, criamos artificialmente o patriotismo. Paradoxalmente, muitos dos que se dizem patriotas admiram e idealizam tudo que vem de fora e, ao mesmo tempo, depreciam tudo o que vem do Brasil: nossa cultura, nossa arte, nosso sincretismo religioso, nossa formação de três etnias (índio, europeu e negro). Atribuem deformidades morais aos conterrâneos, como vagabundagem, esperteza, “jeitinho”. Submetem-se compassivos à aprovação do estrangeiro, procuram agradá-lo rebaixando o Brasil e, com essa atitude, tentando demonstrar que não se assemelham aos outros brasileiros. O fato é que muitos brasileiros que se dizem patriotas não gostam do Brasil.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.