Dom Julio Endi Akamine
O Juízo Final
O juízo particular e o juízo universal não devem ser vistos somente na sua separação temporal — um ocorre no momento da morte, outro se dará no final da história —, mas também na sua mútua e intrínseca relação. Assim o juízo de Deus abarca tanto a originalidade pessoal quanto a humanidade na qual todos nós estamos inseridos.
O juízo universal tem relação intrínseca com a vinda de Cristo (Parusia) que “virá para julgar os vivos e os mortos”. Está também relacionado estreitamente com a ressurreição que, no Novo Testamento, aparece como prévia ao juízo universal. Assim a ressurreição no fim dos tempos será para alguns a vida e para outros a morte eterna.
Jesus é a Verdade em pessoa e é também o “homem perfeito” (cf. GS 22, 38, 41, 45). Por isso, a Sua vinda na glória e a plena manifestação daquilo que Ele é revelarão a verdade última e definitiva do próprio homem, constituída pela sua relação com Deus. Assim o juízo final não é um mero acréscimo extrínseco à Parusia. Podemos até dizer que ela mesma é o juízo, porque Jesus, o Juiz ao qual o Pai deu todo o poder de julgar (cf. Jo 5,27), é, ao mesmo tempo, o critério do julgamento. N’Ele é medido o ser último de todo homem e também da inteira história da humanidade.
Na vinda gloriosa de Jesus no final dos tempos, aparecerá o sentido de todas as coisas, ficarão claros os caminhos, incompreensíveis para nós, através dos quais Deus conduziu providencialmente todas as coisas até o seu fim último. Deus, porém, quer realizar os seus desígnios de salvação com a cooperação humana. Daqui decorre a necessidade de que a manifestação dos seus caminhos tenha esta dimensão de julgamento dos homens e de suas ações.
Põe-se o problema — que se refere também ao juízo particular — da conciliação entre a misericórdia e a justiça divinas. É preciso estar ciente de que a justiça divina é essencialmente a salvação. Por isso, o julgamento divino universal representará a vitória sobre todas as injustiças cometidas pelas pessoas humanas. No julgamento, Deus aparecerá como o defensor dos pobres e dos fracos. A face escondida da história, que nós não podemos conhecer e que tantas vezes contribuímos para que ficasse ainda mais obscura, se tornará manifesta. Nesse sentido, o julgamento universal de Deus não será a explosão da vingança e do ódio; pelo contrário significará o triunfo do amor divino. Tudo isso não anula o santo temor de Deus, que dará a cada um segundo as suas obras e do qual esperamos misericórdia no momento do julgamento.
“O juízo de Deus, que é amor (1Jo 4,8.16), só poderá basear-se no amor, especialmente no que tivermos praticado ou não para com os mais necessitados, nos quais Cristo, o Juiz, está presente (Mt 25,31-46). Trata-se, portanto, de um julgamento diferente do julgamento dos homens e dos tribunais terrenos. Ele deve ser entendido como uma relação verdadeira com Deus-amor e consigo mesmo dentro do mistério insondável da misericórdia divina. A Sagrada Escritura afirma a este respeito: “Ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano. E a teus filhos deste a confortadora esperança de que, depois dos pecados, concedes o arrependimento. Para que, quando julgarmos, nos lembremos da tua bondade e, ao sermos julgados, esperemos misericórdia” (Sb 12,19.22). No julgamento, experimentamos e acolhemos este prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo e em nós. A dor do amor torna-se a nossa salvação e a nossa alegria” (Papa Francisco, Bula Spes non confundit, 22).
A mensagem do julgamento final significa um chamado à conversão, ao esforço sério pelo Reino de Deus e pela sua justiça. A sua mensagem inclui também um anúncio da esperança cristã que “não engana”. É essa esperança que deve prevalecer no cristão que deseja a glorificação de Deus, ou seja, a plena realização do fim-finalidade que Deus se propôs ao criar o mundo.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.