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Nildo Benedetti

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01 de Agosto de 2024 às 23:03
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A opinião pública é levada a acreditar que os emigrantes são os verdadeiros problemas da Europa
A opinião pública é levada a acreditar que os emigrantes são os verdadeiros problemas da Europa (Crédito: DIVULGAÇÃO)

A sociedade contemporânea tornou-se extremamente complexa e fragmentada. Complexa porque temos enorme dificuldade de dar um sentido coeso a ela e fragmentada, porque o mundo atual é polarizado entre ideologias conflitantes que tentam, cada uma delas, dar ao mundo um sentido. Uma das consequências da fragmentação da sociedade contemporânea é a redução do sentido de comunidade.

Parte da humanidade sofre da incorrigível “síndrome da idade de ouro”. Diante da impossibilidade de dar um sentido à incompreensível e desagregada sociedade contemporânea, acaba fantasiando que o passado era melhor do que o presente. Svetlana Boym, professora em Harvard, fala de uma “epidemia global de nostalgia” do século 21, “um desejo ardente de comunidade num mundo fragmentado”. Por sofrer com o presente, parte da humanidade supõe de que nas ideologias do passado, especificamente nas do século 20, está a solução dos problemas contemporâneos.

Contudo, os problemas atuais são fruto de em contexto totalmente diferente daquele que vigorava no século 20, porque vários fatores políticos, econômicos e sociais entraram em cena. O neoliberalismo, que surgiu a partir da década de 1980, foi um dos fatores de maior relevância e de grande potencial de desagregação social e de destruição do sentimento comunitário porque provocou profundas transformações na psicologia humana, na economia e na política. A obra de Dardot e Laval “A Nova Razão do Mundo — Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal” define neoliberalismo como um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência. Afirmam que o neoliberalismo defende a noção de que programas sociais, ao garantirem segurança econômica, desestimulavam o trabalho e a inovação, o que, por sua vez, afeta a produtividade.

Os neoliberais entendem que é preciso “reduzir os gastos governamentais; aumentar a taxa de juros; desregulamentar a economia; e instituir um sistema tributário regressivo” — aquele que taxa, em porcentagem, mais os pobres do que os ricos. O mercado financeiro — que criou a crise econômica de 2008 — critica o estado mas recorreu a ele, obrigando governos a efetuarem pesados gastos de emergência para salvar o mercado financeiro, ao mesmo tempo que promoveu cortes nos serviços públicos. Com as medidas, aumentou a já enorme desigualdade econômica e social e que não para de crescer. Por isso, o neoliberalismo é fundamentalmente antidemocrático, porque declara grandes áreas da vida social fora dos limites do controle de estado democrático e as entrega à dominação privada.

O sistema neoliberal está nos fazendo entrar na era pós-democrática, escrevem Dardot e Laval. De fato, em muitos países, a polarização entre esquerda e direita é secundária e serve para esconder o embate real entre extrema direita ditatorial de um lado e, de outro, democratas de várias cores ideológicas, incluindo liberais de direita.

Em alguns países da Europa, por exemplo, os problemas econômicos decorrem principalmente do fato de o neoliberalismo financeiro, não produtivo, ditar as regras econômicas e políticas. Mas, aproveitando o sentimento nacionalista da população, a opinião pública é levada a acreditar que são os emigrantes a principal causa dos problemas econômicos europeus.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec