Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Vítima x suspeita’ (parte 5 de 6)
No documentário “Culpado X Vítima” é citado o estupro de uma jovem por um homem de uma família respeitável do local. O interrogatório é claramente destinado a proteger o agressor. Mariana Ferrer, uma moça pobre, enfrentou no tribunal um homem rico e foi execrada pelo advogado de defesa do réu. O mesmo ocorreu no caso do jogador de futebol Daniel Alves, acusado por uma jovem de tê-la estuprado na Espanha. O Ministério Público pediu sua condenação a nove anos de reclusão e os advogados da vítima pediam 12 anos. Mas o jogador pagou uma fiança milionária e passou a responder ao processo em liberdade. O fato é que o estado econômico do réu pode pesar nas decisões da justiça.
A cultura do estupro e da culpabilização da vítima
O leitor encontrará na internet vários estudos tratando da culpabilização da mulher vítima de estupro, ou seja, à pessoa estuprada é imputado um crime de que ela própria foi vítima. Em muitos casos, a condenação da vítima ocorre pelo público — principalmente por meio das redes sociais —, pelas instituições jurídicas e pela imprensa. Vemos isso constantemente na vida cotidiana: pessoas que culpam as vítimas de violência sexual e normalizam o comportamento sexual ilícito e violento dos homens em um evidente comportamento machista e pseudomoralista. As mulheres acabam sendo acusadas de “pedirem” para ser estupradas, seja por causa das roupas que usam, ou por se terem embriagado em festas ou por se mostrarem sedutoras nas redes sociais. O caso Mariana Ferrer ilustra a tentativa de culpar a mulher pelo estupro, ou seja, perdoar um ato criminoso — o estupro — justificando-o com o comportamento lícito da vítima: trajes convidativos, embriaguez, flerte etc.
Um artigo interessante que trata do assunto da culpabilização da mulher no caso de estupro é “Cultura do estupro, ideologia e mídia: construindo estereótipos da ‘vítima ideal’”, de Karoline Kuhn Wurdig, Adriane Rubio Roso e Janine Gudolle de Souza. As autoras recorrem a uma matéria da ONU no Brasil em que é definida a “Cultura do estupro”:
“É um termo usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens. Ou seja: quando, em uma sociedade, a violência sexual é normalizada por meio da culpabilização da vítima, isso significa que existe uma cultura do estupro. ‘Mas ela estava de saia curta’, ‘mas ela estava indo para uma festa’, ‘mas ela não deveria andar sozinha à noite’, ‘mas ela estava pedindo’, ‘mas ela estava provocando’ — estes são alguns exemplos de argumentos comumente usados na cultura do estupro.”
Existem alguns mitos que envolvem o tema: a mulher, ao não demonstrar resistência, estaria, implicitamente, pedindo a violação de seu corpo; a pessoa que sofreu estupro é moralmente responsável pelo crime cometido contra ela, já que mulheres controlam seus corpos, definindo se serão ou não violados; e por vai.
As autoras afirmam que a mídia online cria discursos que reforçam a cultura do estupro. Ao focalizar preferencialmente sua atenção sobre a pessoa que sofreu estupro (como no caso de Mariana Ferrer), delegando ao estuprador papel secundário, as reportagens e postagens adquirem viés ideológico, fortalecendo a cultura do estupro.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec