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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Vítima x suspeita’ (parte 4 de 6)

27 de Junho de 2024 às 22:30
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Moradores de Florianópolis realizaram manifestações em solidariedade a Mariana Ferrer
Moradores de Florianópolis realizaram manifestações em solidariedade a Mariana Ferrer (Crédito: REPRODUÇÃO)

Encerrei o artigo da semana passada relatando a penalidade aplicada pela Justiça de Florianópolis à jornalista Schirlei Alves, do Intercept Brasil, por suposta difamação do juiz e do promotor que atuaram no caso Mariana Ferrer. Se o leitor assistir ao vídeo da audiência, ficará horrorizado com a atitude do advogado do réu, do juiz e do promotor e com a passividade do advogado de defesa de Mariana. A reportagem de Schirlei Alves certamente foi determinante para a criação da Lei Mariana Ferrer, hoje em vigor no Brasil.

Schirlei Alves foi obrigada a editar uma reportagem por ordem judicial provisória proferida por uma juíza de Florianópolis. Seguem abaixo alguns pontos da reportagem da jornalista:

Segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar ou seja, uma espécie de “estupro culposo”. A expressão não foi citada ou criada nas alegações finais subscritas pelo promotor do caso. A excrescência jurídica, até então inédita, foi a cereja do bolo de um processo marcado por troca de delegados e promotores, sumiço de imagens (das dezenas de câmeras disponíveis no local, poucas foram resgatadas) e mudança de versão do acusado (inicialmente ele alegou não haver estuprado Mariana mas, diante de provas de DNA colhidas pela polícia, afirmou que a relação fora consensual). A defesa do empresário mostrou cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem enquanto modelo profissional antes do crime, como reforço ao argumento de que a relação foi consensual. O advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, analisou as imagens, que definiu como “ginecológicas”, sem ser questionado sobre a relação delas com o caso, e afirmou que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana. Se o leitor observar as imagens citadas pelo advogado do réu, verá que elas nada têm de “ginecológicas”.

O réu André de Camargo Aranha é filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais. É empresário de jogadores de futebol e visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus. Na festa em que Mariana afirma ter sido estuprada, por exemplo, ele estava acompanhado de Roberto Marinho Neto, um dos herdeiros da Globo. Aranha foi defendido no processo por um dos advogados mais caros de Santa Catarina. Em seu depoimento à polícia, Mariana afirmou que teve um lapso de memória entre o momento em que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do Café em que estava o empresário Aranha e a hora em que “desce uma escada escura”. Ela acredita ter sido dopada. Mariana era virgem até então, o que foi constatado pelo exame pericial. Tanto a virgindade dela quanto a sua manifestação nas redes sociais foram usadas pelo advogado do empresário, que alega que ela manipulou os fatos: “Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão, é a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?”, disse Cláudio Gastão durante a audiência de instrução e julgamento. Advogado de defesa e promotor ficaram calados e juiz se limitou a perguntar à vítima se gostaria de tomar um pouco de água.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec