João Alvarenga
Na parede da memória
Neste mês, o chamado “Junho Violeta”, em que a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta a todos para a necessidade de combater a violência aos idosos, observaremos que, além da violência física que se pratica, continuamente, contra a terceira idade, também existe o desprezo à memória de quem ultrapassou a casa dos 60 anos. Há, na nossa sociedade, um conceito equivocado de que o passado deve ser esquecido e, como ele, as lembranças de quem o construiu, com devotamento, a grandeza deste País. Há quem julgue que as experiências dos mais velhos não servem de referências para quem está começando a vida.
Na verdade, esse pensamento é muito injusto. Devemos, sim, respeitar as memórias afetivas, pois elas, no dizer de muitos pesquisadores do comportamento humano, constituem a parte mais significa da nossa existência e promovem a interação entre o passado e o presente, para que o futuro seja menos caótico. Porém, esse assunto é pouco valorizado até mesmo pela mídia; por isso, com frequência, assistimos estarrecidos a cenas de agressividade, muitas vezes, com requintes de crueldade, cometidas contra senhores e senhoras com idade avançada. Parte dessa agressividade é fruto da intolerância e do total esquecimento de que, um dia, o jovem também será velho. Pois, como diz a letra de uma canção de Belchior, “o novo sempre vem”. Aliás, suas músicas já fazem parte da nossa memória musical.
Todavia, como este artigo tem o propósito de abordar as lembranças que ficam na parede da nossa memória, propomos, aqui, um exercício lúdico. Imagine a seguinte situação: ao remexer os seus guardados, você dá de cara com uma fotografia antiga dos bancos escolares. Já nem se lembrava dessa foto, nem da ocasião em que foi tirada. Por alguns instantes, você se fixou no rosto de um menino que aparece sorrindo com toda a espontaneidade, numa tentativa de se reencontrar consigo mesmo.
Então, um filme com imagens escurecidas é projetado na sua tela mental. Nele, você localiza a carteira em que se sentava — bem ao lado do seu amigo. Nisso, tenta se recordar dos nomes de alguns colegas da turma de 1975. Pela imagem, dá a impressão de que era um dia de festa, pois quebrou totalmente a rotina do ambiente escolar. Você vestiu sua melhor roupa só para impressionar a menina que despertava sua atenção. Naquela saudosa época, você tinha 10 anos de idade e nem supunha o que a vida lhe reservava. Talvez, essa foto seja o retrato mais evidente de que, de fato, o tempo deslizou por entre os seus dedos e restaram apenas reminiscências, pois, no dizer de Drummond, “de tudo fica um pouco”.
Todavia, não fique desolado, porque você não é o único a ter essa sensação esquisita; afinal, somos as lembranças de tudo o que fizemos na nossa trajetória existencial. Por isso, fica a impressão de que os velhos vivem do passado e a mocidade quase não tem tempo para ouvir o que a terceira idade tem para contar. Se dessem ouvidos, seria um aprendizado e tanto. Quiçá, não errassem tanto ou sofressem menos. Mas, quem quer saber do passado? Afinal, Belchior reforça: “O passado é uma roupa que não nos serve mais...”
As memórias materializadas em objetos sentimentais, muitas vezes ficam guardadas no fundo de alguma gaveta: um retrato 3x4, uma cartinha da antiga namorada, um cartão de feliz aniversário, um velho barbeador ou relógio de pulso que pertenceu a um ente querido. Numa gaveta cabem muitas recordações, além de segredos que levamos para o túmulo. Mas, as lembranças também podem estar na estante cheia de livros ou nos velhos discos de vinil que, às vezes, só para matar a saudade, você passa a manhã inteira de domingo ouvindo, já que as rádios não tocam mais.
Finalizamos com uma pergunta: você se lembra dos bailinhos de antigamente? As músicas românticas embalavam os casais apaixonados. Muitos casamentos começaram assim. E hoje? Só saudade. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação