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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Vítima x Suspeita’ (parte 3 de 6)

20 de Junho de 2024 às 22:45
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Schirlei Alves foi condenada a multa e prisão domiciliar
Schirlei Alves foi condenada a multa e prisão domiciliar (Crédito: DIVULGAÇÃO)

2. O caso Mariana Ferrer

Para lembrar o leitor: em 2018, a jovem Mariana Ferrer, então com 21 anos de idade, acusou o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado nas dependências do clube Café de La Musique, em Florianópolis, onde Mariana trabalhava. O clube é frequentado por ricos e famosos. Em 2020, o jornal “The Intercept Brasil” denunciou o modo cruel com que o advogado de defesa de André referia-se à vítima, com insultos grosseiros e ofensas à sua moralidade, chegando a dizer que o choro dela era simulado. André foi inocentado por falta de provas. Mariana recorreu da decisão, mas a absolvição de André foi confirmada. A comoção gerada pelo caso levou à criação da “Lei Mariana Ferrer”, que visa a coibir a o tratamento humilhante a testemunhas e vítimas durante processos judiciais.

O episódio envolvendo Mariana Ferrer provocou opiniões divergentes na sociedade. Muitas mulheres, na maioria simpáticas a ideologias de esquerda ou feministas, mas não só - saíram na defesa de Mariana, fizeram passeatas e protestos. Por outro lado, alguns adeptos da ultradireita homens ou mulheres — condenaram-na, como fez o jornalista Rodrigo Constantino, então na Jovem Pan. No Youtube, ele publicou um vídeo (“Rodrigo Constantino é demitido pela Jovem Pan após comentário sobre o caso Mariana Ferrer”) em que afirmava que, se sua filha fosse estuprada em uma festa, poderia, a partir da análise das circunstâncias em que o estupro se efetuara, castigá-la severamente e não denunciaria o estuprador. No mesmo vídeo, Constantino afirma que “feministas são recalcadas, ressentidas, normalmente mocreias, vadias, odeiam homem, odeiam união estável e casamento”.

Diante da enorme repercussão negativa de suas declarações, em outro vídeo (“Esclarecimento sobre caso do estupro e saída da Jovem Pan”) Constantino tentou desdizer confusamente o que dissera claramente no anterior, atacando aos berros a esquerda e as feministas. Referiu-se a estas como “raivosas e mal-amadas, que mandam no mundo. Está evidente hoje o tamanho do poder delas e dos covardes que se ajoelham”. A ultradireita saiu em sua defesa, o que levou a deputada federal Bia Kicis a apresentar um insólito projeto, a “Lei Constantino”, que propunha penas mais duras a estupradores e até mesmo castração química.

O processo contra o réu André de Camargo Aranha foi marcado por vários incidentes jurídicos que eu por ser leigo no assunto, não relatarei aqui. Mas tais incidentes mostram a intenção de direcionar o processo para a absolvição do réu. A jornalista Schirlei Alves, do portal Intercept Brasil, fez uma importante reportagem do caso, em que atacou o promotor Thiago Carriço e o juiz Rudson Marcos e o advogado do réu. Os dois primeiros moveram uma ação por difamação a funcionário público contra a repórter e ela foi condenada a um ano de prisão domiciliar e multa de 400 mil reais pela juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis. O advogado de Schirlei Alves afirmou que a sentença aplicada à repórter é perigosa, uma vez que abre espaço para perseguição dos que ousarem denunciar abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário. Jornalistas profissionais, por meio de suas entidades representativas, consideraram a decisão injusta e grave atentado à liberdade de imprensa.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec