Dom Julio Endi Akamine
A morte e a ressurreição com Cristo
O mistério da condição humana alcança na morte o seu ápice. Por um lado, a morte do homem é um fato natural (todos os seres vivos morrem), mas por outro, segundo as Escrituras, a morte tem relação com o pecado. É impossível separar nitidamente essas duas dimensões da nossa experiência atual da morte.
De fato, todos nós reconhecemos que a morte não está fora de nós; ela não é algo que cai sobre nós como algo extrínseco à nossa condição humana. A morte não está fora de nós; nós é que somos mortais. A morte está inscrita em nossa condição de seres mortais. Um provérbio popular exprime com acerto essa dimensão natural da morte: “Para morrer basta estar vivo”. Por outro lado, em nossa experiência atual do morrer é impossível sofrer a morte (tanto a própria como a dos que amamos) como algo natural. Todos experimentamos a morte como um sofrimento dramático: ela parece arrancar impiedosamente de nosso convívio os que amamos; a morte parece cortar as relações mais caras e nos negar a presença das pessoas.
Em face da morte, o enigma da condição humana atinge o seu ponto máximo. O homem não apenas é atormentado com a dor e o progressivo declínio do corpo, mas com muito maior força pelo temor da destruição perpétua. Pelo acertado instinto de seu coração, afasta-se com horror e rejeita a ideia da total ruína e da morte definitiva de sua pessoa. A semente de eternidade que traz em si, irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte. Todas as conquistas da técnica, por mais úteis que sejam, não conseguem acalmar a angústia humana, pois o prolongamento biológico da vida não pode satisfazer o desejo inelutavelmente presente em seu coração de viver sempre (Gaudium et spes, n.18).
Há, porém, um modo mais verdadeiro de nos aproximar da morte e que é próprio da fé cristã: mergulhar na morte como participação na morte de Cristo para com Ele ressuscitar. Para o cristão, morrer é ir para viver com Jesus (cf. 2Cor 5,8). Morrer e estar com Cristo é, portanto, a melhor coisa (cf. Fl 1,21). Como, para Jesus, a entrada na glória do Pai ocorreu através da morte (e morte de cruz!), assim, para o cristão, a comunhão com o Senhor e a configuração ao Seu corpo glorioso passa pelo momento doloroso e misterioso da morte.
Nenhum cristão morre sozinho. Uma vez que Jesus sofreu o abandono da morte e mergulhou na solidão da mansão dos mortos, Ele sempre nos acompanha nesse momento crítico e decisivo. A morte do cristão é participação na morte de Cristo que já foi antecipada sacramentalmente no batismo. Por isso o sentido da morte é transformado em Cristo.
A ressurreição dos mortos no Novo Testamento está intimamente ligada à vinda gloriosa do Senhor; é o efeito da plena manifestação do senhorio de Jesus em nós e da destruição da morte; é a consumação final da obra salvífica de Cristo, o momento em que, vencedor sobre tudo, Ele entregará o reino ao Pai, a fim de que Deus seja tudo em todas as realidades (cf. 1Cor 15,24-28).
Mesmo que esperemos a ressurreição para o último dia, o Novo Testamento ensina que o batizado já participou da morte e da ressurreição de Jesus. Com o batismo deixamos de ser escravos do pecado e iniciamos a vida nova. A ressurreição de Jesus, que mostrará enfim a plenitude de seus efeitos, é já eficaz em nós, porque Jesus, glorificado à direita do Pai, nos deu o seu Espírito.
A ressurreição, no entanto, está ainda “escondida”, da mesma maneira como está ainda a de Jesus, que não revelou o seu poder nem se manifestou em sua glória a todos os homens. Por isso a plena manifestação de Jesus será também a nossa. A nossa vida de ressuscitados está agora escondida com Cristo em Deus.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba