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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Vítima x Suspeita’ (parte 2 de 6)

13 de Junho de 2024 às 23:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
Alex, do episódio do mesmo nome, da série
Alex, do episódio do mesmo nome, da série "Criminal" (Crédito: DIVULGAÇÃO)

1. “Alex’ da série “Criminal”

O leitor talvez pergunte: por que utilizar uma obra de ficção para discorrer sobre um suposto estupro, como se não faltassem exemplos reais na vida cotidiana? Mas, recorrer a um filme de ficção para vasculhar a verdade sobre o estupro tenha o mesmo peso do que recorrer a um documentário ou a um filme “baseado em fatos reais”

No primeiro livro “Filmes Para Pensar”, no artigo “Baseado em fatos (quase) reais”, disponível gratuitamente no site https://cinereflexao.wordpress.com/ escrevi que o documentário deve ser considerado visão parcial e seletiva de cineastas e não verdade absoluta, como é o caso de Nancy Schwartzman deste “Vítima x Suspeita”.

Hayden White, prestigiado historiador norte-americano, defende a noção de que até mesmo os livros de História são relatos ficcionais. Portanto, tenhamos em mente que documentário não é sinônimo de verdade. É uma visão do diretor, do mesmo modo que um filme de ficção também é uma visão singular do cineasta. Por isso, a retomada de “Alex” neste texto é pertinente e nos ajudará a entender alguns aspectos da questão do estupro, porque é na Arte que encontramos os mais profundos discursos sobre a realidade. Este é verdadeiro poder da Arte. Pablo Picasso escreveu: “Todos nós sabemos que a Arte não é a verdade. A Arte é uma mentira que nos faz compreender a verdade. A verdade a que Picasso se referiu não é a definitiva sobre fatos históricos ou científicos, mas é a verdade contida no sentido da obra de arte dado pelo espectador em seu processo de interpretação.

Quando analisei nesta coluna o episódio “Alex”, recorri a uma dissertação de mestrado, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, de Natanael Oliveira do Carmo intitulado “Memória e violência contra a mulher: casos de denunciação caluniosa”. Oliveira põe em questão a eficácia jurídica e social da Lei Maria da Penha nos casos em que ocorre a denunciação caluniosa feita pela mulher. Escrevi que a grande parcela das denúncias feitas pela mulher junto à polícia são honestas e alguns dos principais mecanismos da lei, criados como exceção são, de fato, necessários de serem aplicados a casos em que exista ameaça à integridade física da mulher. Contudo, eu também ressaltava a noção de que, até prova em contrário, ela é quase sempre considerada a vítima e ele o agressor. Partir desse pressuposto equivale a ignorar a agressividade inerente à própria natureza humana. Homens e mulheres demonstram o lado pior de suas personalidades quando em suas relações entram em jogo ciúme, ressentimento, vingança, separação, ódio etc. Os mecanismos excepcionais da Lei Maria da Penha podem se tornar um espécie de salvo-conduto para a mulher que, movida por essas emoções, quer destruir um homem ou obter vantagens indevidas. A falsa acusação pode provocar, ao falsamente acusado, um drama familiar, a perda da boa reputação, a estigmatização no ambiente de trabalho, comprometimento da saúde psicológica. O suposto agressor é visto como um covarde que utiliza a força física contra alguém mais fraco. Se for condenado, pode tornar-se vítima de sevícias dentro da prisão. E quando a denunciante recorre às redes sociais, os danos de reputação se tornam ampliados e irreversíveis. É isso que ocorre no episódio “Alex”.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec