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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Vítima x Suspeita’ (parte 1 de 6)

06 de Junho de 2024 às 22:59
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Nancy Scwartzman é a diretora do documentário
Nancy Scwartzman é a diretora do documentário (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Este documentário de 2023 foi dirigido pela norte-americana Nancy Schwartzman. Trata de uma questão importante, atualíssima e complexa: a forma pela qual supostas vítimas de agressão sexual foram transformadas em suspeitas de crime; algumas acabaram sendo condenadas por falso testemunho. Tudo narrado pela repórter investigativa Rachel de Leon, que se dedicou ao assunto por quatro anos e analisou mais de uma centena de casos. Embora o documentário narre acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos, tudo o que ali ocorre pode ser visto aqui no Brasil.

São tocantes as histórias das jovens que passaram da condição de vítimas à condição de acusadas. São inexperientes no contato com a polícia e, por isso, são habilmente manipuladas, enganadas e encurraladas pelos policiais nos interrogatórios a que são submetidas. Estes se aproveitam da condição traumática das vítimas que ficam confusas quando submetidas à forte pressão de um interrogatório e conseguem enganar as vítimas alegando, por exemplo, que têm vídeos para provar que a relação foi consensual. Sob tanta pressão, as vítimas acabam por fazer falsas confissões que as tornam legalmente culpadas e uma delas acabou se suicidando por causa das manifestações destrutivas de que foi vítima nas redes sociais.

Rachel de Leon se dedica a investigar se as entrevistadas estão sendo sinceras ou se estão mentindo. Ela aponta como a polícia age para transformar vítimas de estupro em suspeitas. Essa atitude da polícia tem desdobramentos traumáticos para as vítimas. A imprensa publica suas histórias, as redes sociais dando voz a falsos moralistas, acusadores e juízes implacáveis, independentemente da realidade dos fatos - procuram destruir reputações, condená-las e humilhá-las. Esse comportamento da polícia, da imprensa e do público inibe as mulheres que foram estupradas a recorrerem à Justiça. Na maior parte dos casos, a vítima conhece o agressor e isto é suficiente para torná-la suspeita.

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O estupro se realiza de homens contra mulheres, travestis, homossexuais e bissexuais, crianças de ambos os sexos e, mais raramente, de mulheres contra homens e mulheres. No nosso caso, nos deteremos nos casos de estupro contra mulheres, que é o relatado no documentário. Têm grande repercussão na imprensa e, geralmente, provocam comoção pública, principalmente em casos de pessoas socialmente conceituadas.

A punição de alguém por estupro é processo extremamente complexo porque, de modo geral, o estupro não tem testemunhas. Um dos aspectos centrais que provocam embate entre o suposto estuprador e a vítima é o de definir se a relação foi ou não consensual. Por isso, a comprovação ou não do ato ilícito se faz geralmente confrontando o depoimento dos dois contendores. Um inquérito policial para determinar se houve ou não consenso depende, como vimos no documentário, das crenças dos policiais inquiridores sobre a forma como uma mulher deve resistir ao estupro. De modo geral, supõe-se que ela deveria lutar, se defender, gritar por socorro e eventualmente morrer.

Para ajudar a clarear a complexidade do assunto, recorrerei a um filme de ficção, o episódio “Alex” da série “Criminal”, disponível na Netflix, já analisado nesta coluna. Em seguida tratarei brevemente do caso Mariana Ferrer, que tanto impacto teve nas redes sociais, na imprensa e na própria política.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec