Natália Soriani
Planos de saúde enfrentam recorde de queixas
Nos últimos dez anos, o Brasil testemunha um aumento alarmante nas queixas de consumidores contra planos de saúde. Nessa última década, as reclamações cresceram absurdos 374%, de acordo com dados recentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão que regulamenta a saúde suplementar no país. O número reflete uma crise que se agrava no setor e que preocupa cada vez mais, visto que, em 2024, a tendência de alta continua, com um aumento de 35% nas queixas apenas nos primeiros quatro meses do ano.
Apesar de haver regulamentação e de ANS ter como missão garantir a qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde no Brasil, o órgão tem registrado esse significativo aumento de queixas ano após ano. Em 2011, foram registradas cerca de 10 mil reclamações. Em 2021, esse número saltou para aproximadamente 47 mil, o que representa o aumento de 374%. Em 2024, de janeiro a abril, foram registradas 104 mil reclamações, comparadas a 77 mil no mesmo período do ano anterior, representando um aumento de 35%. Trata-se de elevação exponencial e que não só reflete a insatisfação dos consumidores, como também levanta importantes questões sobre a qualidade e a transparência dos serviços prestados pelas operadoras de saúde suplementar no Brasil.
A principal reclamação dos consumidores está relacionada com a negativa de cobertura para procedimentos médicos, exames e tratamentos. Muitas vezes, as operadoras alegam que o procedimento não está previsto no contrato ou que não é necessário do ponto de vista médico, deixando o beneficiário sem o necessário atendimento.
O aumento abusivo nas cobranças das mensalidades é outra queixa bastante frequente, especialmente para idosos. Muitos consumidores relatam que os reajustes são desproporcionais e inviabilizam a continuidade do plano.
Igualmente recorrente tem sido a queixa pela demora na autorização de procedimentos, bem como na marcação de consultas. Quem busca esse tipo de atendimento tem pressa e, em muitos casos, a espera pode comprometer a saúde do paciente.
Por fim, mas tão problemática quanto às queixas anteriores, é a redução da rede credenciada, com a exclusão de hospitais, clínicas e médicos, o que também gera bastante insatisfação. Os consumidores se veem obrigados a buscar atendimento fora da rede, arcando com custos adicionais.
Esses problemas e outros tantos que se transformam em reclamações dos consumidores trazem impactos diretos em suas vidas. Isso porque muitos acabam adiando ou até mesmo desistindo de tratamentos essenciais, o que pode levar ao agravamento de doenças e condições crônicas. Além disso, os reajustes abusivos podem levar ao cancelamento do plano, o que deixa os consumidores sem cobertura em momentos críticos.
Vale destacar ainda que a negativa de cobertura também impõe um fardo financeiro significativo aos consumidores, que muitas vezes precisam arcar com os custos de tratamentos e procedimentos por conta própria. Isso pode levar ao endividamento e à insegurança financeira, especialmente em casos de doenças graves e de longa duração, com consequências para sua saúde.
Para além de todo esse cenário, o aumento das queixas afeta a confiança dos consumidores no sistema de saúde suplementar. A percepção de que os planos de saúde não cumprem suas obrigações contratuais pode levar à desconfiança e à insatisfação generalizada, prejudicando de vez a relação entre operadoras e beneficiários.
Para tentar frear o crescimento constante e preocupante do número de queixas, a ANS tem adotado algumas medidas, como a criação de canais de atendimento ao consumidor e a aplicação de multas às operadoras que descumprem as normas. No entanto, muitos especialistas acreditam que essas medidas são insuficientes.
Em outra via, o Poder Judiciário também tem sido acionado com frequência para resolver disputas entre consumidores e operadoras. Em muitos casos, os tribunais têm decidido a favor dos consumidores, obrigando as operadoras a cobrirem os procedimentos negados.
Apesar de serem caminhos positivos para consumidores, tais medidas não são definitivas. O desafio de diminuir as queixas e tornar mais harmoniosa e justa a relação beneficiário e plano de saúde é enorme e para vencê-lo, existem algumas soluções a serem propostas.
Uma revisão das normas que regem os planos de saúde, com o objetivo de torná-las mais claras e justas para os consumidores, seria de grande valia para a redução das queixas. Uma fiscalização mais rigorosa por parte da ANS, com aplicação de penalidades mais severas para as operadoras que descumprem as regras também serviria como inibidor de abusos por elas cometidos. A criação de mecanismos de mediação e arbitragem para resolver disputas de forma mais rápida e menos onerosa seria outra interessante solução. E, junta-se a essas a educação do consumidor, com campanhas de conscientização para informá-los sobre seus direitos e como proceder em casos especiais, como a negativa de cobertura, por exemplo.
Com o conhecimento, o consumidor terá mais segurança e, em caso de negativa de cobertura ou outros problemas com o plano de saúde, deverá registrar suas reclamações junto à ANS e aos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon. Essas queixas são essenciais para que as autoridades possam fiscalizar e tomar medidas contra as operadoras que descumprem as normas. Em casos mais graves, pode ser necessário ao consumidor buscar assistência jurídica para garantir o cumprimento dos direitos previstos no contrato do plano de saúde.
Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde