Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Blue Jay’
“Blue Jay” é um filme de 2016 de Alex Lehmann começa com o encontro casual de Jim e Amanda no supermercado de uma pequena cidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Os dois foram namorados quando eram colegiais. Ela casou-se com um homem muito mais velho e no dia do reencontro com Jim, o marido tem 61 anos. Foi ela quem criou os dois filhos do marido. Jim continua solteiro, sem emprego. O filme é em preto e branco, o que lhe dá certo clima de nostalgia. A produção é de baixo custo, o elenco é praticamente reduzido ao casal.
A relação de Jim e Amanda havia sido forte e conturbada e findou abruptamente por motivo que será esclarecido ao longo do filme. O encontro casual faz surgir uma série de lembranças que são pouco a pouco resgatadas quando passam algumas horas na antiga casa de Jim - lembranças às vezes muito felizes (que os faz ver o passado como o de dois adolescentes apaixonados e imaturos), às vezes nem tanto.
Em sua excelente análise do filme, o crítico Pablo Villaça ressaltou que Amanda diz que deveria ser feliz na sua condição atual e, contudo, confessa tomar antidepressivos. Ela não se dá conta de que a culpa é comum a quem enfrenta a depressão. As mesmas razões que nos levam a ser felizes são aquelas que deixaram outras possibilidades irrealizadas que agora nos entristecem. Afirma então o crítico:
“É este contraste que determina, aliás, a fascinante e divergente dinâmica entre Amanda e Jim: aquela enxerga neste um passado que perdeu; este vê naquela um futuro que não teve. Se estes seriam melhores ou piores se experimentados, não importa; tendemos sempre a valorizar mais o potencial do que não tivemos do que a realidade (por melhor que esta seja) que vivemos”.
O drama vivido por Amanda e Jim pode ser encontrado em muitas relações afetivas em que os amantes idealizam o passado e sofrem com o presente, como apontou Villaça. A relação dos dois estava na fase da paixão. Já tratei do assunto várias vezes em meus livros, incluindo no artigo “Alguns aspectos sobre desejo e amor tratados no cinema” que consta de meu “Filmes para Pensar Volume 2”, gratuitamente disponível no blog https://cinereflexao.wordpress.com/.
O termo “Paixão” designa “sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão”. Paixão pode também significar um sofrimento muito grande como, por exemplo, a Paixão de Cristo. Portanto, a paixão amorosa traz a ideia de padecimento e, como observamos na nossa experiência diária, pode levar os apaixonados instantaneamente do paraíso ao inferno e vice-versa.
É principalmente à paixão que Freud se referiu quando escreveu que em muitas formas de escolha amorosa temos a ilusão de que nosso amor por alguém se deve a seus méritos espirituais e sensuais, mas o que ocorre é que idealizamos a pessoa que estamos amando e nossa capacidade crítica sobre seus méritos e defeitos fica mascarada pela idealização. É impossível visualizar como seria a vida de Jim e Amanda depois de 10 ou 20 anos casados.
A trilha sonora é uma das fraquezas do filme. Tenta ser uma reprodução simplória dos sentimentos amorosos que os personagens estão vivendo — o que é uma limitação imperdoável das complexas paixões em jogo. É essa limitação que torna a música insuportável na maior parte do filmes.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec