Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘A Rede Antissocial - Dos Memes ao Caos’
Este documentário de 2024, dirigido por Giorgio Angelini e Arthur Jones, relata como o 2Chan, um popular site de imagens lançado no Japão, gradualmente se transformou, nos Estados Unidos, na insana e amalucada conspiração QAnon.
A Wikipedia define o QAnon como “uma teoria da conspiração de extrema-direita, criada nos Estados Unidos, que alega haver uma cabala secreta (de esquerda), formada por adoradores de Satanás, pedófilos e canibais, que dirige uma rede global de tráfico sexual infantil e que esteve conspirando contra o ex-presidente Donald Trump e os seus apoiantes, durante o seu mandato. A conspiração teria sido engendrada com base num plano secreto do denominado de “Estado Profundo” (deep state).(...) Alegava ter acesso a informações classificadas sobre oponentes do governo Trump e acusou (falsamente) muitos atores liberais de Hollywood, políticos democratas e altos funcionários de se envolverem em um círculo internacional de tráfico sexual de crianças.” Esta suposta quadrilha de tráfico humano e de sexo infantil operaria em porões de restaurantes, notadamente da pizzaria Comet; por isso, o caso recebeu o nome de “Pizzagate”, que se tornou decisivo nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos que deram a vitória a Trump.
O QAnon vem se espalhando pela América Latina e mensagens carregadas dessa teoria da conspiração vêm sendo propagadas no Brasil. Um notável e estridente pastor evangélico da extrema direita brasileira afirma que a esquerda aceita “pedofilia, sexo bestial, incesto, sexo entre pai e filha, mãe e filho, entre irmãos. Isso é um jogo ideológico dos esquerdopatas”
Como escrevi no último artigo em que analisei o filme “Namorados Para Sempre”, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis afirma que as redes sociais infectam a mente, porque se propagam como vírus e fazem vir à tona o que o ser humano tem de pior. Essas conclusões são frutos de estudos da neurociência, mas coincidem com as conclusões psicanalíticas de Freud sobre o que ocorre com o ser humano quando ele se engaja em um grupo: ele libera suas pulsões destrutivas inconscientes, e as novas características que apresenta são as manifestações desse inconsciente. Como consequência, aflora tudo o que é mau na mente humana e que está contido ali como uma predisposição.
É dessa tendência destrutiva que se utilizam os que nos governaram no passado e ainda nos governam, tanto aqui como no resto do mundo. Líderes políticos sempre mentiram, mas a velocidade de propagação de mentiras hoje se faz de modo praticamente instantâneo, em volumes nunca imaginados e, principalmente, por meio de imagens que parecem atestar a veracidade das mentiras.
O discernimento do que seja verdade e mentira só se dará com o uso da razão, do conhecimento dos fenômenos sociais e científicos. Mas, a maioria dos indivíduos — sejam ricos ou pobres, professores ou analfabetos — vive de sensações, da experiência, da imaginação arbitrária dos fatos e passivamente aceita como verdadeiras as mentiras que lhe são ditas. São pessoas que têm ideias confusas e contraditórias e não conseguem compreender logicamente as relações de causa e efeito; são escravas da própria imaginação.
Uma pergunta deveria nos afligir: no futuro, como será a vida em uma sociedade em que verdade e mentira são muitas vezes impossíveis de serem distinguíveis?
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec