João Alvarenga
Os riscos do ‘dependismo’
Os professores têm observado a disseminação de um conceito entre seus alunos que merece uma análise mais aprofundada por parte dos educadores. Trata-se do uso da palavra “depende”, que é empregada em larga escala pelos adolescentes, para justificar diversas circunstâncias. Tal vocábulo aparece até em redações de vestibulares, embora, o Enem solicite um posicionamento claro. Ou seja, o candidato não pode ficar “em cima do muro” (como dizem no popular), uma vez os temas dessa prova são classificados de “convergentes”, com questões pertinentes que, não só afetam determinados grupos sociais, como requerem soluções pragmáticas. Assim, o candidato, ao se deparar com a pergunta “A obesidade representa riscos à saúde?”, jamais poderá responder “depende”. No dia a dia, talvez, opte por ficar neutro, a fim de não ferir as regras do “politicamente correto”.
No fundo, trata-se de um comportamento que isenta as pessoas — sejam elas estudantes, políticos, profissionais liberais e até influencers — de opinarem, enfaticamente, sobre determinados assuntos, principalmente os mais polêmicos. Mas, de certo modo, precisam ser analisados à luz da lógica, longe de paixões ideológicas ou revanchismo. Claro que, nos dias de hoje, expor determinada opinião pode ser muito perigoso, embora, como observa o jornalista Alexandre Garcia, a nossa Constituição não tipifica a liberdade de expressão como crime.
Contudo, é necessário salientar que não se está, aqui, condenando o emprego de tal termo, muito menos quem deseja manter-se na neutralidade. No fundo, esta abordagem busca entender esse fenômeno que, de certo modo, extrapolou os limites das redes sociais e ganhou força de expressão na sociedade. Afinal de contas, até mesmo jornalistas têm lançado mão desse subterfúgio que, de alguma forma, relativiza as condutas sociais, como se o erro, em determinados casos, não tivesse nenhuma importância.
No entanto, estudiosos do comportamento humano observam que a postura de neutralidade, ainda que pareça ingênua, nem sempre é plausível à sociedade, porque os cidadãos, principalmente as crianças, podem ficar sem parâmetros sobre o que é certo ou errado. Ou seja, perde-se a noção de ética. Além disso, a prática da omissão, em muitos casos, é vista como uma forma de justificar determinados desvios de comportamento ou até mesmo referendar a prática de pequenos furtos, que alguns setores convencionaram chamar de “crime menor poder ofensivo”. Mas, não passa de eufemismo! Afinal, crime é crime!
Todavia, ao sairmos do ambiente escolar, percebemos que o “dependismo” se faz presente nas várias esferas do tecido social brasileiro, afetando até mesmo os critérios de julgamento da Justiça. Afinal, em muitas ocasiões, ela (a Justiça) deixa transparecer que não dispensa o tratamento igualitário a todos os cidadãos. Para exemplificar esse contexto, recorremos a um professor de redação que solicitou a seus alunos que fizessem um texto opinativo sobre a seguinte comanda: “O que acontece com um motorista que, ao dirigir embriagado, em alta velocidade, atropela e mata uma pessoa?”
Eis uma das respostas: “Isso depende, professor! Se o motorista estiver dirigindo um Porsche, for de família rica e tiver um bom advogado, nem fará o teste do bafômetro e sairá impune da cena do atropelamento. Mas, se for um carro popular, mesmo que o motorista tenha tido um mal súbito, no volante, será conduzido à delegacia mais próxima.” Muitos outros alunos seguiram pela mesma trilha, evidenciando a ideia de que, no Brasil, sempre há “dois pesos e duas medidas”.
Para concluir, ficou, nos textos, a ideia de que o dinheiro fala mais alto e que o crime compensa, devido à corrupção. Não é atoa que, para muitas crianças sem perspectivas futuras, os traficantes servem de exemplo. Mau exemplo, diga-se de passagem! Pois, ostentam uma vida de luxo, mandam nas comunidades e desafiam as autoridades. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação