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Dom Julio Endi Akamine

O centenário: Trento e Vaticano II

19 de Abril de 2024 às 22:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Para que o Seminário de Sorocaba recebeu o nome de “São Carlos Borromeu”?

São Carlos Borromeu foi um santo bispo que viveu na Itália (Arona, 02/10/1538 - Milão, 03/11/1584). O nosso seminário, porém, tem o seu nome não para ser uma simples homenagem, mas para que tenha o seu espírito, que é o espírito do Concílio de Trento! Como podemos viver o espírito de Trento na Arquidiocese de Sorocaba? Não seria isso trair a reforma conciliar do Vaticano II?

Quando São Carlos Borromeu chegou a Milão, ele constatou que a situação da sua arquidiocese não era nada boa: sacerdotes sem zelo e ignorantes a ponto de não saberem dizer a fórmula de absolvição; igrejas vazias de fiéis, a ponto de algumas servirem de celeiros; mosteiros tão relaxados que nos seus locutórios ou refeitórios se realizavam bailes, festas de casamento e banquetes! O trabalho era enorme, e Carlos Borromeu se lançou com energia e confiança no trabalho da reforma da Igreja, seguindo os princípios elaborados pelo Concílio de Trento.

Ninguém deve pensar que seu zelo e firmeza tenha contentado a todos. Não faltaram adversários declarados e ocultos. Só para dar um exemplo, havia aproximadamente duzentos humiliati. Eram os descendentes degenerados de uma espécie de ordem terceira beneditina, pseudo-monges enriquecidos no negócio de lãs e que viviam em palácios de um luxo escandaloso. Quando S. Carlos quis obrigá-los a ter um pouco mais de decência, se rebelaram. Um deles chegou a disparar seu arcabuz contra o arcebispo em plena missa. Felizmente, atingiu Carlos Borromeu somente de raspão.

Carlos Borromeu doava todos os seus bens ao povo. Os seus hospitais estavam cheios. As suas escolas ensinavam a religião a milhares de crianças. No ano de 1576, um surto de peste se alastrou pela arquidiocese. Carlos Borromeu começou a visitar pessoalmente os doentes que morriam de frio e de fome tanto quanto da epidemia porque ninguém se aproximava deles para os socorrer. Celebrava a missa para os empestados, dava-lhes o viático, consolava-os e lhes dava instruções com caridade sublime, suplicava ao clero e ao povo que organizassem socorros coletivos. Vendeu tudo o que lhe pertencia, até os móveis e a roupa de cama. Com efeito, São Carlos não desfrutou da sua riqueza pessoal senão aquilo que um cão recebe de seus donos: “água, pão e palha” (acho que esse elogio se tornou anacrônico).

Gostaria de ressaltar alguns ensinamentos que julgo importantes para a nossa arquidiocese, para este arcebispo e para o seminário de Sorocaba.

O exemplo de São Carlos Borromeu nos revela como é importante aplicar a renovação conciliar em nossa arquidiocese. Trata-se de uma renovação ainda a ser levada adiante e isso vai exigir de nós energia e decisão.

A aplicação da renovação conciliar não implica ruptura com a reforma de Trento. Penso que a vocação do seminário é a de viver o espírito conciliar do Vaticano II sem renegar a herança espiritual de Trento. Conhecer o que significou a renovação de Trento sem saudosismos inúteis pode nos ajuda a amar mais ainda o caminho iniciado pelo Vaticano II. Nossa arquidiocese e o seminário têm um decidido compromisso com a renovação conciliar.

Alguns afirmam que os documentos do Vaticano II estão eivados “de um humanismo laico e profano” e “do culto do homem que se opõe radicalmente à fé católica”. É preciso rejeitar com vigor essa acusação contra o Concílio Vaticano II sem deixar de lutar com o mesmo vigor contra o erro apontado. O nosso seminário está chamado a preparar pastores que ajudem a mostrar a diferença que há entre o espírito do concílio e o seu antiespírito.

No que consiste esse antiespírito? Consiste na visão de que se deveria começar a história da Igreja a partir do Vaticano II, visto como uma espécie de ponto zero. Para ser fiel ao Concílio Vaticano II não se pode aceitar a hermenêutica da descontinuidade e da ruptura e é preciso aceitar a hermenêutica da reforma ou renovação na continuidade (cf. Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 22 de dezembro de 2005).

Contra a tendência daqueles que se opõem ao Vaticano II, cabe ao nosso seminário preparar pastores que saibam instruir bem as pessoas no sentido correto da renovação na continuidade, que promovam a unidade sem rupturas. Para isso é imprescindível conhecer bem os documentos do concílio e os documentos magisteriais que se seguiram.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba