Salvatore Milanese / Antônio Bruno M. de Carvalho / Thiago Cariani
Profissionalização corporativa e sua relevância no atual processo de captação de recursos
A captação de recursos para empresas é um tema de extrema relevância frente ao cenário atual no Brasil. As organizações enfrentam desafios cada vez maiores na busca por financiamento, uma ferramenta crucial para o crescimento e desenvolvimento das empresas. De acordo com o último relatório do Banco Central (BC), houve um aumento considerável da inadimplência de pessoas jurídicas, saltando de 1,7% (2022) para 2,7% (2023). Para piorar ainda mais a situação, grandes empresas entraram com pedidos de recuperação judicial, como foi o caso da Americanas e do Grupo Petrópolis. Neste contexto, os financiadores passaram a sinalizar que a prioridade das instituições mais tradicionais não é fazer novos clientes, sendo assim, é necessário que haja uma adaptação das companhias frente às mudanças no ambiente, com maior profissionalização da gestão e a implementação de práticas bem definidas de governança corporativa.
Em um contexto geral, a atual crise no mercado de crédito é vista como reflexo da crise sanitária da Covid-19, evento responsável por paralisar a economia mundial. Durante o período, o País passava por um cenário atípico, e como solução, aumentou consideravelmente os gastos por meio de uma série de programas, como o Auxílio Emergencial, Auxílio Brasil, Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac). Devido ao desequilíbrio nas cadeias de produção, combinado com um aumento do consumo e crescimento nos gastos públicos, a inflação se tornou um grande problema no Brasil, sendo necessário o BC reagir frente ao problema, subindo 12 vezes consecutivas a taxa Selic, que passou de 2% para 13,75%. Como resultado da elevação repentina das taxas de juros, empresas que já apresentavam altos índices de endividamento enfrentaram impactos significativos em seus desempenhos financeiros.
Diante deste panorama econômico, as instituições financeiras precisaram reforçar a importância por garantias reais em suas operações. Com a divulgação dos resultados financeiros das empresas e a consequente deterioração da economia, os bancos decidiram aumentar as garantias exigidas, inclusive em operações anteriormente consideradas seguras sem necessidade de garantias concretas. No passado, grandes corporações raramente precisavam oferecer garantias devido a balanços auditados por firmas independentes. Contudo, o contexto atual exigiu um endurecimento nas negociações, com muitas renovações de contratos exigindo garantias adicionais.
As instituições financeiras, dentro das análises de crédito, consideram cinco principais fatores, como histórico financeiro, capacidade de pagamento, projeções financeiras, garantias e mercado atuante. No entanto, a maior parte das empresas brasileiras não está preparada para enfrentar um processo de due diligence. Como exemplo, em alguns dos casos vivenciados por nossa consultoria durante processos de capitação, evidenciou-se falta de clareza e organização dos dados, demora para o envio dos documentos exigidos e desconhecimento de métricas básicas do negócio, trazendo ainda mais obstáculos em um mercado que já está em crise.
Neste contexto, para que as empresas possam aumentar suas chances de ter pedido de crédito aprovado, é preciso implementar práticas de gestão estruturadas e adotar padrões de governança corporativa. Porém, profissionalizar uma empresa vai além de simplesmente contratar gestores do mercado. O processo está longe de ser trivial. Ele demanda uma abordagem cuidadosa e estruturada para minimizar o impacto emocional e assegurar um crescimento empresarial saudável. A transformação para uma gestão profissional em uma empresa exige a substituição de abordagens baseadas na intuição e relações pessoais por estratégias definidas, objetivos claros, planejamento estratégico e acompanhamento rigoroso dos resultados. Este movimento para a profissionalização envolve a adoção de uma gestão orientada por dados e processos, minimizando a influência de emoções e conexões informais nas decisões empresariais. Apesar dos resultados positivos, o processo de profissionalização é desafiador, especialmente para empresas familiares, acostumadas a uma gestão mais centralizada e informal. A resistência a mudanças na cultura organizacional pode ser um obstáculo significativo. Por isso, é crucial que haja um esforço consciente na comunicação dos benefícios dessa transição, tanto internamente quanto para parceiros e clientes.
Em suma, para que as empresas implementem práticas eficazes de governança, é essencial que haja a padronização dos processos operacionais e implementação de controles internos de acompanhamento. Em paralelo, é importante investir em um plano bem definido de crescimento e manter uma contabilidade organizada e atualizada. Já em um ambiente de crise, recomenda-se a contratação de especialistas com experiência específica em gestão de crises, pois mesmo que o empresário tenha conduzido a empresa com sucesso até sua fase de maturidade, muitas vezes, ele pode não possuir as habilidades necessárias para navegar por períodos turbulentos de forma eficaz, agravando ainda mais a situação.
Salvatore Milanese - sócio fundador sênior da Pantalica Partners, com mais de 27 anos de experiência nas áreas de turnaround/reestruturação de empresas, transações envolvendo special assets e investimentos em carteiras de crédito vencido (NPLs)
Antônio Bruno M. de Carvalho - sócio fundador sênior da Pantalica Partners, com mais de 17 anos de experiência em processos de turnaround e reestruturação financeira. Em 2013, liderou a equipe de reestruturação financeira da PWC, onde atuou em processos de grande relevância no ramo de turnaround, dentro e fora de procedimentos judiciais
Thiago Cariani - analista financeiro da Pantalica Partners, com amplo conhecimento em gestão de caixa, reestruturação financeira e operações de capital raising. Formado em administração de empresas pelo Insper, possui especialização em diferentes segmentos, com destaque para indústrias, agronegócio e energia