Dom Julio Endi Akamine
O Escândalo da Igreja
Falar da Igreja nunca foi tarefa fácil. É mais fácil falar de Jesus Cristo porque, apesar de todos os escândalos que provocou, nunca cometeu pecado (cf. Jo 8,46). Não há como ser diferente, pois a Igreja é o mistério da ação divina que é mediado pela ação humana, uma ação sempre assinalada pela fraqueza, imperfeição, falha e pecado.
Por outro lado, para o cristão, a Igreja não é primeiramente uma instituição humana ou uma realidade sociológica. A “Igreja” é expressa mais como um objeto relacionado ao ato espiritual da fé (“Creio na Igreja Católica”) do que como um tema da reflexão humana. De fato, os fiéis não experimentam a Igreja como algo que se apresenta “diante” deles: os cristãos e a Igreja não são duas realidades diferentes.
Além disso, a Igreja é concebida como parte do plano salvífico de Deus, manifestado em Cristo e agora anunciado ao mundo. Em uma palavra, a Igreja é experimentada como “mistério”. Ela é mistério enquanto se reconhece como uma comunidade que, pela decisão misteriosa de Deus e pela sua realização em Cristo e no Espírito Santo, é chamada, reunida e santificada nos sacramentos (batismo, eucaristia e remissão dos pecados) e se realiza mediante a comunhão trinitária e os dons do Espírito Santo.
Esquematizando, pode-se dizer que, de um lado, a Igreja é evento e ação de Deus na história, uma realidade misteriosa que nasce continuamente no coração dos homens e na vida graças à eleição, redenção e santificação divina e, por outro, que a Igreja é a comunhão dos fiéis que se reúnem em um lugar e constituem uma comunidade. A intervenção de Deus em convocar e a ação dos fiéis em se reunir se entrelaçam profundamente.
A Igreja é um mistério que não pode ser adequadamente expresso por um único conceito. Por isso é preciso ilustrar o mistério da Igreja mediante numerosas imagens e conceitos que se corrigem e se completam reciprocamente (LG 1-8).
“A sociedade provida de órgãos hierárquicos e o corpo místico de Cristo, a assembleia visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida de bens celestes, não devem ser consideradas duas coisas, mas formam uma só realidade complexa em que se funde o elemento divino e humano. É por isso, mediante uma não medíocre analogia, comparada ao mistério do Verbo encarnado. Pois como a natureza assumida indissoluvelmente unida a Ele serve ao Verbo Divino como órgão vivo de salvação, semelhantemente o organismo social da Igreja serve ao Espírito de Cristo que o vivifica para o aumento do corpo” (LG 8,1).
De fato, a Igreja é uma realidade complexa: ela é mistério da fé e uma realidade empírica, divina e humana, assembleia visível e comunidade espiritual. Como realidade histórica, ela pode ser empírica e historicamente estudada, mas para o crente isso não é suficiente para captar a sua essência e a sua dimensão profunda, as quais têm suas raízes na ação de Deus na história.
A ação salvífica livre e gratuita de Deus não é um constitutivo periférico da Igreja. Tal ação divina, porém, só pode ser captada e experimentada pela fé. Por outro lado, é a própria fé que obriga a fixar o olhar na história. Assim os dois aspectos dessa complexa realidade devem ser distintos: não podem ser confundidos nem mesmo separados.
A Igreja é desde sempre o lugar histórico e concreto da salvação. Ela já é a unidade em meio à dispersão do pecado, é a reconciliação em meio à separação. Por outro lado, ela deve também cumprir uma missão, uma função, um serviço para o mundo.
A Igreja é objeto e sujeito, assembleia reunida e instituição, pátria e missão. Os dois aspectos correspondentes entre si não devem ser confundidos nem separados. Tanto a distinção quanto a unidade das correspondências são essenciais.
Nunca podemos ignorar nem esquecer o fato de que a Igreja permanece, mesmo na qualidade de sacramento do amor de Deus, uma comunidade de homens e uma instituição histórica que está muito aquém daquilo que é sua missão divina. Nesse sentido, o mistério da Igreja permanece um escândalo para o homem de todos os tempos.
No fundo, o escândalo da Igreja não é o único. Podemos dizer que no Evangelho há fundamentalmente três escândalos: o da fé em Deus, o da fé em Cristo e o da fé na Igreja. Eles são inseparáveis, porque a Igreja é o sacramento de Cristo, e Cristo é o sacramento de Deus. Na ordem da salvação historicamente existente, o homem não pode conhecer quem é Deus a não ser em Jesus Cristo, e o conhecimento de Jesus Cristo e do seu Evangelho foi e continua sendo transmitido pela Igreja.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba