João Alvarenga
Porcas e parafusos
Viver em harmonia torna a vida mais agradável, principalmente no ambiente de trabalho
Você já se sentiu inútil? A provocativa pergunta pode parecer bizarra, mas tem seu fundo de razão; afinal, é no ambiente corporativo — onde as cobranças são intermitentes — que sempre surge uma angústia profissional carregada de incertezas quanto ao futuro dos empregos com registro em carteira, já que o mercado de trabalho parece uma areia movediça, na qual muitas profissões foram engolidas pelos avanços da Inteligência Artificial. O que antes era ficção, agora é uma iminente realidade que, dia a dia, transforma a situação de milhões de operários do mundo todo. Os “papas” do assunto advertem: nas próximas décadas, o cenário das profissões mudará radicalmente.
Então, ‘pinta’ um pânico geral, pois todo mundo teme ser substituído por robôs. Algo que para os empresários seria uma maravilha; no entanto, graças a Deus, essa novidade não é tão barata assim e nem todas as empresas têm suporte financeiro para bancar uma transição imediata. Então, respiramos aliviados: por hora, nossa vaga está salva! Mesmo assim, convivemos com a sensação de que sempre estamos nos esquecendo de algo. Geralmente, aquele relatório chatíssimo, que sacrificamos nosso fim de semana para concluir; mas ficamos em dúvida se o documentou foi encaminhado.
De certo modo, especialistas em comportamento são unânimes em afirmar que as relações no ambiente de trabalho não dão espaço para a exposição de problemas pessoais que afetam os operários. Assim, não importa se o funcionário fez tudo certinho, conforme manda o figurino. Aliás, isso ninguém nota. Como também não dão atenção a sua pontualidade. Porém, basta um mísero deslize, para macular a imagem de “operário padrão” e, assim, torná-lo uma peça a ser descartada. Sim, como porcas ou parafusos que, quando espanam, são substituídos.
Nesse contexto, poucos vão discordar da tese de que a rotina do trabalho é, de fato, desgastante, pois “rouba” até as horas de lazer dos operários, além de encher a mente com inúmeras preocupações, muitas vezes, inúteis. Isso sem falar nas dúvidas diárias: “Será que fiz tudo direitinho?” “Por que ainda não me deram um feedback?”
Envolvidos por essas angústias, nos esquecemos de até mesmo de cuidar de nossa saúde, para o sustento diário. Uma recente palestra, no auditório da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), deixou claro que o “autocuidado” evita o adoecimento. Mas, a maioria dos trabalhadores não dispõe de tempo, já que os afazeres são intermináveis. Ou seja, é cumprir metas ou, então, rua!
Além disso, no Brasil, convivemos com a cultura de que o empregado não faz mais do que a sua obrigação, já que é remunerado para isso. Ou seja, não importa se ele está doente, se está sobrecarregado de trabalho, ou se passa por estresse. Quem sabe, tem algum problema na família. Nada disso importa! Principalmente, para o líder do setor, que só pensa em aumentar a produção, a fim de se manter no posto.
Também é visível que, às vezes, a relação fica corrosiva, quando um companheiro do grupo assume a liderança do setor, pois em pouquíssimo tempo ele se esquece de que foi “peão” e passa a agir como patrão. Ou seja, faz exigências que ele mesmo achava um absurdo. Os antigos dizem que esse comportamento sustenta o ditado popular “quer conhecer seu inimigo, dê poder ao seu amigo”. O fato é que, em muitos casos, a vaidade fala mais alto. Diante disso, “manda quem pode, obedece que tem juízo”.
Todavia, esse problema de hierarquia transcende os muros das empresas e afeta a sociedade como um todo. Na política, os eleitos sentem-se “donos do mundo”. Nos condomínios, muitos confundem o síndico com a figura do “xerife” do pedaço. Ele quer mandar até na respiração dos moradores. Mas, nesta vida, amigo leitor, tudo é transitório! Ou seja, até os cargos que os poderosos ocupam são passageiros. Ninguém é dono de nada, nem mesmo do corpo. Por isso, viver em harmonia torna a vida mais agradável, principalmente no ambiente de trabalho. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação