João Alvarenga
Homenagem a Gepeto
Oscar Goldszimidt faleceu aos 87 anos, vítima de uma parada cardiorespiratória
Amigo leitor, muitas vezes, uma nota fria, na página de necrologia, não dá a dimensão exata da importância de quem partiu. Um brevíssimo texto traz apenas as informações elementares, como: o nome do falecido, sua a idade e os descendentes. Só isso e nada mais! Mas, por detrás de um nome sempre há uma grande história que merece ser contada. Por isso, neste artigo, falarei um pouco sobre a figura do estimado Oscar Goldszimidt que, na semana passada, faleceu aos 87 anos, vítima de uma parada cardiorespiratória. A ideia, aqui, não é lamentar sua morte; mas, falar de vida, ou seja, de uma longeva e vitoriosa vida, como forma de prestar-lhe uma singela homenagem.
Muito respeitado no meio artístico sorocabano, Gepeto, como era carinhosamente conhecido por todos, desde muito jovem, superou muitos desafios, inovou na arte de confeccionar bonecos e foi além: mostrou aos jovens, com impactantes montagens, na saudosa “Oficina Grande Otelo”, que a terceira idade tem garra, talento e não se intimida diante dos holofotes. Tanto que sua determinação despertou o gosto pelas artes cênicas em muitos sorocabanos acima dos sessenta anos de idade, que passaram a atuar nos palcos de nossa cidade. Entretanto, falar de Gepeto não é uma tarefa das mais fáceis, pois foi um artista versátil, com múltiplas habilidades, dedicado à pesquisa, além de ser muito culto e extrovertido.
Conheci Gepeto na condição de repórter, quando ele atuava numa peça teatral. Fiquei comovido com sua interpretação. Logo, ficamos amigos e, às vezes, visitava-me, pois adorava uma boa conversa e sempre tinha uma história para contar. Como encarnava a figura do “pai” de Pinóquio, Gepeto era muito querido pelas crianças. Por não acreditar em limites, passou a confeccionar seus próprios bonecos e fantoches, além de pesquisar sobre essa rica arte, pouco presente na cultura brasileira. Inclusive, chegou a fazer palestras sobre esse tema nas escolas, como forma de combater o bullying. Embora fosse engenheiro de formação, a arte, desde muito cedo, era sua paixão. Assim, aventurou-se em várias frentes. Assim, foi ator, pesquisador teatral, artesão e escritor.
Nas suas incursões pelo mundo das letras, escreveu a biografia “Fuga e Sobrevivência”, na qual narra à saga da família Goldszimidt, que fugiu do holocausto nazista até chegar ao Uruguai e, posteriormente, ao Brasil. Devido à nossa amizade, fui escolhido para revisar e prefaciar essa obra que, no fundo, é o registro fiel de uma atrocidade que nunca deve ser esquecida pela humanidade, nem sequer relativizada.
A publicação conta com inúmeras fotos dos avós e familiares de Gepeto, que ilustram as quase duzentas páginas da obra, além de traçar um longo percurso dos Goldszimidt para escapar das tropas de Hitler. Quando decidiu escrever esse livro, o autor enfatizou que os relatos visavam enriquecer a história dos imigrantes judeus que chegaram à Argentina, ao Brasil e ao Uruguai, “países que nos acolheram de braços abertos”.
No início, Gepeto escreve: “(...) como são várias as histórias dignas de serem lembradas, começarei esta saga, justamente, pelos meus avós e pelos meus pais, Abraham e Esther”. O livro termina com as seguintes palavras: “Assim, espero que os meus descendentes possam usufruir desta obra não somente com o intuito de conhecer o passado dos familiares, mas, também, para se espelharem nessas narrativas como exemplos de vida, de luta e de superação”. Detalhe: o livro está disponível apenas na versão online, na Amazon.
Para concluir, observo que quando me relembro da figura de Gepeto, logo me vem à mente a imagem de um senhor muito generoso, de olhar tranquilo e cheio de vitalidade, que amava os livros. Passam, diante dos meus olhos, cenas de um filme em que o ator que, mesmo apesar de avançada idade, trazia, na face, a energia de um jovem, como se estivesse no começo da carreira. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação