Dom Julio Endi Akamine
Jesus Cristo e Nossa Senhora
Maria não é uma exceção, ao contrário ela é a primeira redimida por Cristo
A verdadeira devoção de Nossa Senhora não desvia o cristão de Cristo nem ameaça a sua centralidade. Pelo contrário, a verdadeira devoção a Maria nos faz melhores cristãos, pois há uma necessária e estreita correspondência entre o que cremos sobre Jesus Cristo e aquilo que afirmamos de Maria. De fato, “o que a fé católica crê acerca de Maria funda-se no que ela crê acerca de Cristo, mas o que a fé ensina sobre Maria ilumina, por sua vez, sua fé em Cristo” (CatIgCat 487). Levando em conta essa estreita correspondência, podemos compreender bem os dogmas marianos. Aprofundemos um deles: o dogma da Imaculada Conceição de Maria.
A Igreja reconhece que Maria “foi preservada imune de toda a mancha do pecado original” (490). Tal verdade está contida no proto-evangelho (Gn 3,15), no qual está afirmada a inimizade entre Eva e a serpente, entre a descendência da mulher e a do poder de sedução. Maria é a segunda Eva, unida ao segundo Adão que é Cristo. Ora, esta inimizade total entre Maria e o poder do mal já encerra em si a verdade de que ela jamais pôde estar sujeita a tal poder ou manchada por ele.
A passagem de Gn 3,15 exprime de forma negativa (a isenção de Maria do pecado) o que as palavras do anjo Gabriel afirmam positivamente: “Tu és cheia de graça”. O fato de Maria ser “cheia de graça” não é um mero atributo provisório e superficial. Pelo contrário, trata-se de um estado essencial e fundamental de Maria, uma condição que lhe é própria de maneira pessoal.
Diante dessa “graça singular e privilégio” de Maria, surge espontânea a pergunta: a imaculada conceição de Maria (a sua isenção do pecado original) faz dela alguém que não precisa da redenção de Cristo? Significa colocar Maria em pé de igualdade com o Redentor?
“Esta santidade resplandecente, absolutamente única da qual Maria é enriquecida desde o primeiro instante de sua conceição, lhe vem inteiramente de Cristo” (CatIgCat 492). Assim o dogma da Imaculada Conceição de Maria não quer, de forma alguma, diminuir o alcance nem a necessidade da ação redentora de Cristo. Pelo contrário, se bem entendido, esse dogma consolida a ação redentora de Cristo de maneira mais luminosa ainda.
A obra redentora de Cristo é realmente tão poderosa que alcança todos os tempos, e por isso todos os que vieram antes de Cristo também os que viveram antes de Cristo são salvos por Ele. E isso vale também para Maria, pois os efeitos da obra redentora podem atingir e ser aplicados a uma criatura antes mesmo de sua existência terrena.
Por isso, crer na Imaculada Conceição significa contemplar o mistério da redenção não como uma ação limitada ao tempo e ao espaço, mas como maravilhoso agir de Deus eterno para além do tempo e do espaço. O dogma da Imaculada Conceição não separa Maria de Cristo, mas a reconduz a Ele. A conceição imaculada de Maria é a ação redentora que se antecipa em Maria; é a ação de Cristo que prepara o espaço materno no seio da humanidade a fim de realizar a encarnação. Assim a imaculada conceição de Maria não limita a ação redentora, pelo contrário realça o seu poder de agir se antecipando ao ser humano.
Na fé católica não existe autossalvação: nós somos todos salvos por Cristo, inclusive Maria. E a sua imaculada conceição está aí para provar isso. Nesse sentido, Maria não é uma exceção, ao contrário ela é a primeira redimida por Cristo.
A preservação do pecado de Maria revela o que é o ser humano. Jesus é em tudo igual a nós, menos no pecado, e é exatamente por isso que Ele é homem perfeitamente íntegro.
Assim é preciso corrigir o ditado: “errar é humano”. O pecado é o que mais desumano pode ocorrer; ele desumaniza e embrutece o ser humano.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba