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João Alvarenga

Uma crônica para Paulinho

Não se espante, amigo leitor, pois estudos já comprovaram que os chimpanzés são muito inteligentes e aprendem rápido tudo o que lhes é ensinado

17 de Fevereiro de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Sua partida foi semelhante à de um ente querido que nos deixou repentinamente
Sua partida foi semelhante à de um ente querido que nos deixou repentinamente (Crédito: Divulgação)

A morte súbita do chimpanzé Paulinho me fez escrever esta crônica. A notícia, que enlutou visitantes e funcionários do zoológico Quinzinho de Barros, saiu na semana passada. O pobre bicho morreu após uma parada cardiorespiratória.

Sua partida foi semelhante à de um ente querido que nos deixou repentinamente. Seu imprevisto adeus deixará um vazio na jaula em que passou seus últimos dias.

Por isso, muitos sentirão saudade do querido Paulinho, principalmente do seu olhar meigo, como se quisesse nos dizer algo.

Se pudesse falar, o que nos diria? No fundo, um animal com as características de Paulinho tem muito do nosso comportamento; afinal conviveu, ainda que cativo, muito próximo de veterinários e tratadores.

Além disso, estudos comprovam: o DNA dos chimpanzés se aproxima em 98% do da nossa espécie. Portanto, não é exagero afirmar que, dentre todos os primatas, o chimpanzé é o que mais traz traços humanos, sendo capaz de repetir nossas atitudes e comportamentos, além de ter um forte instituto paternal.

Assim, por estar desde 2020 vivendo em Sorocaba, pode-se dizer que Paulinho era quase sorocabano. Sua moradia fixa era o “Quinzinho de Barros”, onde compartilhava seu “lar” com a companheira Kelly. Agora, a coitada sentirá o peso da solidão.

O estranho é que Paulinho tinha passado por exames de rotina, recentemente, e tudo indicava que ele estava bem de saúde. Mas, infelizmente, o mal súbito o levou de nós aos 40 anos.

Para os cientistas, ele teve uma vida longeva, já que muitos primatas vivem entre 25 e 30 anos.

A verdade é que sua ausência será sentida por todos, pois nos divertia com suas brincadeiras.

Embora tenha passado a vida toda dentro de uma jaula, como se estive numa vitrine, parecia alegre. Não sei se era algo espontâneo ou fazia parte de sua estratégia de sobrevivência entre os humanos.

Ainda que estivesse num zoológico reconhecido como modelo no que tange ao trato animal, talvez sentisse desejo de liberdade. Quem sabe perambular pela savana, visitar parentes ou, então, procriar livremente.

Tenho uma dúvida: será que os animais pensam? Dor, nós sabemos que sentem. Se pensam, que pensamentos Paulinho teria tido ao longo de sua existência?

Não se espante, amigo leitor, pois estudos já comprovaram que os chimpanzés são muito inteligentes e aprendem rápido tudo o que lhes é ensinado.

Inclusive, o saudoso professor Antônio Cândido, na obra “O que é linguagem?”, conjectura que cada espécie tem entre si uma linguagem própria.

A questão é que nós, humanos, não temos (ainda) a capacidade de entender esses códigos. Porém, há cientistas que estão atrás de respostas, já que muitos animais dão prova de que têm sentimentos.

Logo, se são capazes de desenvolver emoções, também podem ter alma, como afirmam os espíritas. Se for assim, que a alma do querido Paulinho seja acolhida no paraíso idealizado por São Francisco de Assis.

Já os místicos afirmam que os animais vieram ao planeta para nos ensinar a respeitar todo tido de vida, da minúscula abelha à gigantesca baleia.

A questão é que nem todos estão preparados para entender esse ensinamento que muitas seitas já praticam.

Infelizmente, somos a única espécie que sacrifica as demais, seja para saciar a fome ou apenas pelo prazer de matar.

Também mantemos cativos pássaros, pequenos roedores e répteis só para fins comerciais.

Isso sem falar no tráfico da fauna silvestre que cresce a olhos vistos, sem que haja uma ação efetiva das autoridades.

Por fim, nunca devemos nos esquecer de que o progresso humano se deu à custa do sofrimento de muitos animais, que sempre estiveram presentes nas guerras, na agricultura e no avanço da indústria farmacêutica.

Aliás, os remédios e produtos de beleza só chegam às prateleiras das farmácias depois de testados em animais, que dão a vida em favor da cura de muitas doenças. Que essas cobaias também tenham direito ao paraíso. Bom domingo!

João Alvarenga é professor de redação