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Alexandre Garcia

Guilhermina no Equador

O Estado brasileiro apenas vai assistindo à expansão do crime

17 de Janeiro de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

A triste notícia me fez decidir o assunto desta semana: Guilhermina, a Guel, empregada de meus amigos, sempre simpática com os visitantes, foi assaltada e assassinada ao sair de casa para o trabalho. Foi no Jardim Ingá, na periferia de Brasília. Esfaqueada para lhe tirar a vida e levar a bolsa com a carteira de trabalho, a identidade e uns poucos reais para pagar o ônibus.

Vão ter que controlar também as facas, enquanto não descobrirem que não é a arma -- o revólver, a pedra, o pau, a faca -- mas o cérebro que mata. Autores de uma nota da Associação de Juízes de Minas escreveram que a causa são as diferenças sociais. Como assim, se os pobres é que mais são assaltados e mortos? Ser criminoso é questão de caráter. Pobres são honestos e têm desvios; ricos são honestos e têm desvios.

Há desvios entre juízes, advogados, jornalistas, empresários, médicos, policiais -- e não é por ter mais ou menos posses; é por ter mais ou menos padrão de conduta. Para os que se desviam deveria haver a punição da lei, para segregá-los. Assaltante preso não assalta; assaltante solto continua roubando e matando, como na última saidinha de Natal.

Para o noticiário, Guel foi apenas mais uma vítima, na rotina brasileira, na vizinhança do crime, da violência, da maldade, da falta de caráter. Direitos humanos, onde estais? Onde estão o direito de ir e vir, de trabalhar, à vida, à propriedade?

O Equador passa pelo Brasil -- geograficamente e por semelhança. Corta o Brasil no norte, e corta corpos brasileiros nos assaltos, mas também na corrupção, nos assassinatos, lavagens de dinheiro; nos fuzis das facções, nos desvios das estatais, nas vendas de sentenças, nas omissões, no fracasso das leis penais e dos seus agentes.

Sofremos mais de 30 mil homicídios num ano; Equador tem 9 mil. Em números absolutos, estamos há anos numa triste liderança no mundo -- entre os três países com mais homicídios. E o problema não é apenas de assassinatos, mas assaltos e corrupção. A legislação leniente traz a mensagem de que o crime compensa. Combatemos o crime com declarações grandiloquentes de políticos, enquanto os criminosos inflam seus domínios.

No Equador, o crime se misturou com a política, a ponto de a chefe do Ministério Público afirmar que há uma narcopolítica. Por aqui também há disso, com a influência do crime nas eleições de prefeitos, vereadores, e congressistas.

A costa do Equador tem o domínio das facções; aqui há muitos “portos” clandestinos nas margens do Lago de Itaipu e na costa atlântica, sem contar com as estradas do contrabando na nossa fronteira seca oeste. No Rio há territórios liberados, santuários das milícias e das facções de drogas. O tráfico e suas facções já está até na Amazônia, com ligações no exterior e no sul do País.

De norte a sul, vamos imitando os cariocas, que foram se adaptando, se adequando, se aculturando, nessas últimas cinco décadas, enquanto o crime no Rio substituía o revólver pelo fuzil e a metralhadora .50.

No próximo dia 1º um ex-ministro do Supremo, sem currículo em segurança pública, vai assumir o ministério que, de fato, não é da Justiça, mas é da Segurança Pública. O que poderá ele fazer, além da declaração de que vai combater o crime?

Como a Colômbia passou nos anos 80, o México nos anos 90 e o Equador agora, o Estado brasileiro apenas vai assistindo à expansão do crime, que já tem territórios, tem presídios, tem políticos e até tem influenciadores que detestam a polícia e adoram essas “vítimas da sociedade” -- como o assaltante que enfiou a faca no coração da Guel quando ela saía para o trabalho.

Alexandre Garcia é jornalista