Carlos Pinto Neto
Assinar de cruz, o tropeiro, o barão
Muitos dos que assinam de cruz, apesar do seu analfabetismo, triunfam no mundo dos negócios e da política
A maioria dos portugueses deportados para o Brasil era analfabeta. Quando chegavam era preciso colher suas assinaturas. Ao invés destas apunham uma cruz.
Em antigos documentos, havia cruzes com letras indicativas do nome das pessoas que as fizeram. Era a maneira de serem identificadas.
Alguns historiadores dizem que pela cruz feita no papel -- símbolo da fé e da verdade -- o signatário garante o conteúdo das cláusulas, num juramento íntimo, selado pelo sinal impresso no documento.
Verdade é que muitos dos que assinam de cruz, apesar do seu analfabetismo, triunfam no mundo dos negócios e da política...
Lembramos de um caso contado pelo historiador José Aleixo Irmão: “Visitando Ponta Grossa, no Paraná, D. Pedro II foi hóspede de generoso cidadão, capitão da Guarda Nacional. No dia da partida, ao almoço, o capitão levantando-se, lamentou não ter podido receber melhor S. Majestade dizendo que, para aquele almoço, podia ter matado mais vitelas, mais perus. No entanto, ajuntou para bem assinalar a passagem de S. Majestade por essa casa, resolvera libertar os setenta escravos que possuía; dessa maneira, pedia à Real Pessoa que, após a refeição, lhes entregasse, pessoalmente, as cartas de alforria.
O monarca ficou emocionado com tal atitude, fazendo o que se lhe pedia. Partiu D. Pedro, intimamente prometendo agraciar o tal capitão pela sua generosidade.
Chegando o dia da concessão das graças, em palácio, trouxe o ministro a pasta com o nome dos agraciados. Entre eles estava o tal capitão, que seria levado ao grau de oficial da Ordem da Rosa.
- Isso é pouco para os méritos do homem -- disse o Imperador.
- Faça-o barão!
- Majestade -- disse o ministro -- ele é quase analfabeto...
- Não será o primeiro -- contestou-lhe o imperador. Ele é digno do título; redija o decreto nomeando-o Barão dos Campos Gerais. Assim se fez”.
Fato trazido por José Aleixo Irmão, aconteceu em 31 de maio de 1880, quando David dos Santos Pacheco, primeiro e único Barão dos Campos Gerais, recepcionou, em seu solar, a comitiva imperial composta pelo imperador D. Pedro II, dona Teresa Cristina, e outros vultos como o almirante Tamandaré e o presidente da província, Sousa Dantas. O Barão, de fato, comemorou a chegada do imperador e sua comitiva alforriando escravos que possuía em três fazendas (uma delas localizada em Passo Fundo).
Tal acontecimento antecedeu em oito anos a Lei Áurea, tornando-se paradigma da abolição no Paraná e porque não dizer do Brasil. Três meses depois de ter recebido o imperador em sua residência, recebeu o título de Barão dos Campos Gerais, conforme decreto imperial assinado em 31 de agosto de 1880.
O Barão dos Campos Gerais nasceu na cidade da Lapa, na primeira década do século 19. Como a sua cidade natal fazia parte do caminho dos tropeiros (Rio Grande do Sul a Sorocaba), o jovem David Pacheco fez desta atividade o seu aprendizado para o futuro. Agora como tropeiro, fez fortuna aproveitando a topografia da sua região, pois adquiriu terras e preparou-as para que as “comitivas” realizassem paradas de descanso e engorda dos animais em suas instalações, já que no primeiro trecho desta viagem os animais perdiam peso e consequentemente se desvalorizavam.
Desta maneira tornou-se respeitado comerciante de gado e muares, ampliando suas posses e constituindo fazendas de criação no Rio Grande do Sul, em Rio Negro e Itapetininga. Em pesquisa feita sobre o barão, encontramos que ele é considerado como um dos maiores tropeiros do Brasil no século 19.
Carlos Pinto Neto é membro da Academia Sorocabana de Letras