João Alvarenga
Adeus, paquera!
Uma das maneiras de não só se divertir, mas conhecer o "futuro" pretendente, era o famoso footing
Pode parecer exagero, mas a ingênua paquera está com os dias contados. O motivo? Infelizmente, alguns trogloditas não sabem ouvir um simples “não”, e partem para ações abomináveis, quando suas abordagens são rejeitadas. Tanto que, na virada do ano, foi sancionada a lei 14.786/23, conhecida como “Não é não”, para proteger as mulheres de assédios em shows, bares e boates, ambientes em que se tornam mais vulneráveis à ação masculina.
A medida é louvável, pois o relacionamento amoroso deve ter por princípio o respeito ao limite de cada indivíduo, independente do gênero. Todavia, é preciso evitar excessos, para que a sociedade não incrimine a paquera, com barreiras que inibam o bom entendimento entre os casais em início de relacionamento. Afinal, o namoro deve nascer da espontaneidade dos jovens que, nos dias de hoje, desfrutam de maior liberdade de expressão.
No entanto, alguns psicólogos observam que, em pleno século 21, muitos se sentem inseguros, quando o assunto é namoro, porque temem a rejeição das garotas. Há, também, o temor de que o flerte seja confundido com assédio. Então, as pessoas não devem confundir a inocente paquera com o inconveniente “xaveco” que, entre outras coisas, significa “historinha para conquistar alguém”. A paquera é discreta, já o “xaveco” é incisivo. Além disso, é preciso lembrar que muitos casamentos bem-sucedidos começaram, no passado, com uma simples troca de olhares.
Aliás, a letra da canção “Amante anônimo”, da dupla Gian e Geovane, dos idos de 80, ilustra bem isso: “Sou eu que telefono sempre no seu trabalho/Coloco caixas de bombons em sua mesa/Sou eu que lhe mando flores quase todas as tardes.” Talvez, essas atitudes, nos dias de hoje, possam ser confundidas como “estaquear”, verbo aportuguesado do inglês “stalking”, que significa “perseguir” alguém.
Todavia, em nenhum momento, a música trata a mulher de forma desrespeitosa ou com duplo sentido, algo corriqueiro nas músicas da atualidade, em vários ritmos. Muito menos fala em agressão física. Muito pelo contrário, o “eu lírico” até parece ingênuo, já que ama às escondidas sem ter a certeza de que será correspondido. Quem ouve a canção inteira, percebe que as estratégias do apaixonado para chamar a atenção da amada o tornam um “chato de galochas”.
Nessa linha de raciocínio, há muitas canções românticas que exaltam a beleza do namoro à moda antiga, como uma fase importante na vida dos casais em formação. Logo, é interessante fazer uma imersão na linha do tempo para observar o quanto de mudança houve nas abordagens entre moças e rapazes, para se chegar à fase do namoro e, posteriormente, ao tão esperado casamento, desde que tivesse a “sagrada” aprovação dos pais da jovem.
No início do século passado, a vida andava num ritmo mais lento. Isso incluía as relações amorosas. Assim, a praça central de Sorocaba era principal ponto de encontro de moças e rapazes. De acordo com os historiadores, uma das maneiras de não só se divertir, mas conhecer o “futuro” pretendente, era o famoso footing. Lembram os estudiosos, que tal termo, também oriundo do inglês, consistia na seguinte prática: as garotas andavam em círculo pela praça, no sentido horário. Já os rapazes, também em círculo, no sentido contrário. Foi assim que nossos antepassados se conheceram: pela discreta troca de olhares. Depois um sorvete, um possível beijo e um novo encontro, às escondidas. Isso se a conversa do rapaz fosse agradável.
Depois dessa fase romântica, surgiram os bailinhos nos clubes. Tirar uma garota para dançar era desafiador. Todos temiam um “não”, mas ninguém perdia a compostura. Com a chegada dos automóveis, os encontros migraram para o banco dos carros, ao som do rock. Agora, por achar mais seguro, há quem namore pela internet. Porém, não se sabe até que ponto essas relações são duradouras, pois no mundo digital tudo o que é sólido se dilui em bites. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação