Samuel Hanan
Tarefas para o Congresso em 2024
São questões com capacidade para transformar o Brasil e mudar para melhor a vida da população
Todo início de ano renovam-se os votos, as prioridades e as promessas para o ano novo. Especificamente esse ano, não será diferente. O Congresso Nacional, com seus 513 deputados federais e os 81 senadores que tomaram posse no dia 1º de fevereiro, tem uma missão histórica e desafiadora: debater, com urgência e profundidade, mudanças legislativas sobre 10 pontos que vêm sendo ignorados pelo Legislativo e pelo Executivo, apesar de sua importância fundamental. São questões com capacidade para transformar o Brasil e mudar para melhor a vida da população:
1. Acabar com a reeleição para cargos do Poder Executivo. O modelo atual, vigente desde 1997 por alteração constitucional casuística, já deu mostras de que não funciona. Isso porque o governante em seu primeiro dia de gestão já passa a pensar e agir visando à reeleição. Governos que deveriam ser de coalizão se transformam rapidamente em governos de cooptação, com negociações muitas vezes espúrias e loteamento de cargos técnicos entre políticos. Se o mandato de quatro anos é de fato curto para o governante implantar seus projetos, o ideal seria fixar um mandato mais longo -- de cinco ou seis anos, no máximo --, sem possibilidade de um novo mandato imediato.
2. Retomada da prisão em segunda instância. A proibição da prisão de condenado em segunda instância judicial por decisão colegiada precisa ser revista com urgência. Tal como está, apenas aumenta na sociedade a sensação de impunidade e alimenta a falsa ideia de que o crime compensa. Não contribui em nada para o combate à corrupção porque até permite que gestores públicos condenados por tal crime possam recorrer em liberdade e se candidatem novamente a cargos eletivos nos quais praticaram os malfeitos, retomando, se eleitos, o direito ao foro privilegiado, num círculo vicioso imoral e altamente prejudicial ao país.
3. Redução drástica do foro privilegiado. O instituto do foro por prerrogativa de função, criado para proteger o julgamento de autoridades de cargos específicos e evitar decisões arbitrárias, transformou-se, no Brasil, em um manto de impunidade. O que deveria ser exceção tornou-se regra: nada menos que cerca de 55 mil ocupantes de cargos públicos são beneficiados pelo foro privilegiado, abrangência que não encontra similaridade em nenhum outro país do mundo. É preciso um corte drástico.
4. Reavaliação da candidatura de suplentes. A legislação precisa ser alterada para vedar a participação de parentes do candidato ao cargo eletivo na mesma chapa, como vice-presidente, vice-governador ou vice-prefeito, ou ainda como suplente de senador. A permissão atual possibilita verdadeiros feudos familiares e situações esdrúxulas, como a esposa ou filho do governante, na condição de vice, assumir o cargo principal depois do titular do cargo ter sido afastado por corrupção. Inaceitável!
5. Despolitização dos tribunais de contas. É necessário que os órgãos de controle externo -- Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios -- tenham todos os seus integrantes escolhidos mediante concurso público e não mais nomeados livremente (após aprovação do Legislativo), o que possibilita a políticos ocuparem as cadeiras de conselheiros, como ocorre atualmente, sem necessidade de comprovação de conhecimento técnico para a função e carregando velhos vícios da má política.
6. Remodelação dos fundos Partidário e Eleitoral. Custeados com recursos do contribuinte, os fundos Partidário e Eleitoral, ambos milionários, necessitam sofrer drástica redução a nível compatível com as limitações orçamentárias do País para setores prioritários à população, como saúde, educação, habitação e saneamento básico. Essa situação exige a redemocratização do acesso os gordos cofres desses fundos, hoje geridos discricionariamente pelos líderes das legendas, além de buscar maior transparência na utilização dos recursos, incluindo a publicação prévia dos valores destinados a cada candidato.
7. Limitação dos gastos tributários da União. Os excessivos gastos tributários da União sugam o orçamento da Nação, já limitado. Por isso, precisam sofrer redução substancial, com limitação a até 1,5% do PIB (cerca de R$ 160 bilhões/ano). Isso geraria economia de R$ 296 bilhões/ano aos cofres públicos. Além disso, os benefícios fiscais somente devem ser concedidos para correção das desigualdades regionais e sociais, conforme já estabelece a Constituição (CF Arts. 3º, 43, 151, 155 e parágrafos 6º e 7º do art. 165).
8. Redução das desigualdades regionais e sociais. Para tornar o Brasil um país menos injusto regional e socialmente, o Congresso deveria aprovar alteração legislativa obrigando a União a destinar 40% do valor de redução dos gastos tributários em ações específicas para essa finalidade. Também é necessário exigir a drástica redução da tributação sobre consumo para 15% da carga tributária (no máximo) e também da tributação sobre a folha e contribuições sociais (emprego), além de aumentar a tributação sobre renda e capital, de modo a compensar perdas das receitas com tributação sobre o consumo.
9. Revisão do Código de Processo Penal. É urgente a revisão do Código de Processo Penal para agilizar a tramitação dos processos, evitar a prescrição e, por consequência, assegurar a punição. Convém reavaliar os prazos para a conclusão dos inquéritos criminais e para o Ministério Público analisar o resultado das investigações e apresentar a denúncia ao Poder Judiciário ou, conforme o caso, requerer o arquivamento. A morosidade da Justiça brasileira é uma crítica antiga e justificada.
10. Responsabilização dos maus gestores públicos. Por fim, medida necessária é a fixação de pena de inelegibilidade (por 10 ou 20 anos) para os governantes condenados por geração de déficit primário, uma vez que é responsabilidade do agente público zelar pela correta aplicação dos recursos públicos, sem o comprometimento da receita, notadamente para gestão subsequente.
Fiscalizar o Executivo é uma das funções precípuas da Câmara e do Senado. Fazer isso com seriedade é um grande passo para tornar a nação mais digna para todos os brasileiros.
Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças. Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”