Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Homens Comuns’ (parte 5 de 6)

“Homens Comuns” mostra didaticamente tudo o que escrevi até aqui. Christopher Browning, estudioso do Holocausto e autor do livro “Homens Comuns” diz no filme:
“Gostamos de pensar que somos os donos do nosso destino. Mas eu acho que, na verdade, somos mais moldados por coisas sobre as quais temos pouco controle. Ganhamos mais controle simplesmente sendo mais consciente delas. Um dos motivos que me levou a escrever o livro “Homens Comuns” é para que as pessoas fiquem mais cientes da nossa vulnerabilidade, da nossa maleabilidade, para que, quando enfrentarmos esse tipo de circunstâncias, não sejamos pegos de surpresa, que tenhamos a habilidade de tomar uma decisão mais consciente do que tomaríamos de outra forma.”
Vários depoentes do filme mantêm as mesmas ideias: a de que homens comuns, de todas as classes sociais e intelectuais, podem se tornar monstros.
A ideia de que a consciência da vulnerabilidade do indivíduo ajuda-o a controlar sua agressividade é partilhada por Hannah Arendt. Aline Matos da Rocha, na revista Ideação, afirma que “compreender” para Arendt significa pensar para encarar a realidade sem preconceitos, com atenção e sem tentar ignorá-la seja ela qual for. Significa pensar criticamente, examinar e suportar conscientemente o fardo que a vida colocou sobre nós, sem negar sua existência. “Pensar é perigoso. Não pensar é ainda mais perigoso”, afirmou Arendt.
O oposto de “compreender” é “vazio de pensamento” que, segundo Arendt, leva o indivíduo a não pensar racionalmente, mas dar uma interpretação essencialmente emocional dos fatos. Por isso, na maioria das vezes, o “vazio de pensamento” supera o “compreender”. Afirmou Freud: “as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis. A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas”
Repito aqui o que escrevi anteriormente. Freud afirma que o lado sombrio do inconsciente está presente em todos, mas com diferentes tendências de liberar as pulsões de vida e morte. A intensidade dessas tendências depende de nosso ambiente familiar, natural e social, de nossa história de vida, nossos mecanismos de defesa que orientam nossa agressividade. É isto que nos torna diferentes uns dos outros. No filme, vemos que os recrutados de Hamburgo não eram forçados a matar e, de fato, alguns se negaram a fazê-lo. Outros aderiram e outros executaram a tarefa com prazer e com crueldade desnecessária. Por que isso ocorre? Porque, como afirmou Freud, em circunstâncias favoráveis, quando as forças mentais que controlam a agressividade se encontram fora de ação, ela se manifesta espontaneamente e “revela o homem como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho”.
O fato lamentável é que uma parcela da população é mais facilmente atraída por mensagens de ódio do que por mensagens de amor ou mesmo neutras. É dessa tendência que se utilizam os que nos governaram no passado e ainda nos governam. Adquirem grande prestígio ao manipular com maestria a agressividade inerente ao ser humano. E, justamente por terem a habilidade de movimentar o pior do ser humano, congregam tantos seguidores fanáticos e ferozes.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec