Alexandre Garcia
O cálice do Supremo
O povo tem cobrado nas redes sociais da OAB, da mídia, do Senado o silêncio omisso
A indicação de Flávio Dino para o Supremo parece ser mais uma gota num cálice transbordante. A oposição no Senado toma como provocação. Acontece logo depois da aprovação pelo Senado da PEC que restringe decisão monocrática que contrarie a maioria do Congresso, e também depois da reação irada de Gilmar Mendes, apoiador do nome de Dino para a vaga de Rosa Weber. Gota a gota o cálice foi enchendo. Há quatro anos, o Supremo abriu um inquérito por conta própria, sem Ministério Público, baseado no seu regimento interno que, nessa parte, está superado pela constituição de 1988. Afora o ministro Marco Aurélio, que ironizou o feito, chamando-o de “inquérito do fim do mundo”, ninguém mais falou. Esperava-se crítica da mídia, da OAB, do Senado, que julga ministro do Supremo; mas ninguém falou. O veto de Dilma ao comprovante do voto fora derrubado por 368 deputados e 56 senadores, mas a vontade desses 66% do Legislativo foi suspensa por um e anulada por oito do Supremo. Até a Constituição se tornou inconstitucional, no marco temporal. O Supremo legisla sobre drogas, examina aborto... e a Lei Maior está remendada em abundância por ADIN e ADPF do Supremo.
O povo tem cobrado nas redes sociais da OAB, da mídia, do Senado o silêncio omisso, ante fatos que saltam aos olhos de quem quer que leia a Constituição cidadã. O presidente do Senado encontra dificuldade em andar por terras mineiras sem ser cobrado. Cálice cheio, Rodrigo Pacheco e a OAB caíram da cama sobressaltados pelo pesadelo de que a independência de poderes e o devido processo legal estavam abafados pela toga. Pacheco sentiu e tocou a emenda que impede um único juiz do Supremo de derrubar a decisão da maioria do Congresso. A OAB precisou ser sacudida na sua própria carne -- ou no seu espírito-de-corpo --, quando viu mais uma vez o regimento interno do STF se sobrepondo à Constituição, no caso da ampla defesa, com sustentação oral impedida em agravo. Depois da nota em que a OAB afirma que “continuará insistindo para que o Tribunal cumpra as leis e a Constituição” ainda veio um deboche de Moraes, ao negar mais defesa oral num agravo: “A OAB vai lançar outra nota contra mim, vai dar mais uns 4 mil tuítes.”
Quatro dias depois, em Belo Horizonte, no Encontro Nacional da Advocacia, o presidente do Supremo teve que ouvir o presidente da OAB/MG num veemente protesto, acompanhado por aplausos, gritos e assobios de advogados de todo o País, numa cena em que todos em pé ovacionavam eloquentemente enquanto o ministro Barroso permanecia sentado e calado. Depois o ministro ainda confirmou a metamorfose do STF, lembrando que a corte combateu o negacionismo, o autoritarismo, falou em metas climáticas e erradicação da pobreza, num discurso que confirma o viés político de uma corte constitucional.
A PEC que impede decisão monocrática está na Câmara, agora. Mas depois que o decano do Supremo, Gilmar Mendes reagiu chamando de “pigmeus morais” os 52 senadores que aprovaram a PEC, inação da Câmara será sinal de repetição da subserviência. O discurso irado de Gilmar fala de “tacão autoritário escamoteado pela pseudo representação de maiorias eventuais” -- praticamente rompe com o Senado, no País sem poder moderador. O ingrediente que ainda faltava, o povo, surgiu no domingo, enchendo quatro quarteirões da avenida Paulista cobrando do Supremo a morte de Clériston Pereira da Cunha na Papuda e a volta à Constituição. Ao cálice transbordante agora foi acrescentada a indicação de Flávio Dino.
Alexandre Garcia é jornalista