João Alvarenga
Escrever com a luz
Seja pela ternura do sorriso de uma criança ou pelos horrores de uma guerra
O recente falecimento do repórter fotográfico Aldo Valério da Silva levou-nos a refletir sobre a importância da fotografia para a dinâmica do jornalismo diário. Ainda que o mundo digital encante as novas gerações, o registro real da notícia permanecerá inabalável, pois onde houver um fato e lá estiver um fotojornalista, a imagem estará garantida, quiçá eternizada. Na verdade, desde os primórdios da invenção da máquina fotográfica até os dias de hoje, passando pela “protofotografia” (em PB), feita pelos famosos “lambe-lambes”, com flash obtido por rastilho de pólvora, até as sofisticadas máquinas digitais, a fotografia sempre mexeu com a humanidade. Seja pela ternura do sorriso de uma criança ou pelos horrores de uma guerra.
Talvez, Daguerre, um dos inventores da “câmera obscura” (avó da máquina fotográfica), não tivesse a exata noção do rebuliço que sua descoberta, anunciada em 1839, causaria no mundo, principalmente das artes. Logo de cara, tal invenção obrigou os artistas plásticos a saírem da “zona do conforto”. Ou seja, tiveram que se reinventar, já que os críticos profetizam que, com o advento da fotografia, os pintores morreriam de fome. Surgia o movimento das “Vanguardas Européias”, numa espécie de resposta à fixação da imagem por meio de ação mecânica.
Porém, que o leitor não se engane, a vida dos primeiros fotógrafos não foi nada fácil, pois os intelectuais da época se rebelaram contra tal “assombrosa criação”. Matheus Manzini Ramos, no livro “Sorocaba, obra aberta”, observa que o poeta francês Charles Baudelaire criticou o invento. Isso sem falar nas crendices que surgiram em torno da “máquina de capturar almas”.
Inclusive, artistas e fotógrafos se debatiam sobre os limites entre arte e técnica. Para muitos, o fotógrafo não poderia ser considerado um artista porque não havia o esforço humano para produzir o efeito desejado. Para o ativista teórico Du Bois, “a luz que entra na caixa escura imprime a imagem, sem que o fotógrafo tenha algo a ver com isso”.
Tal fala encontra ressonância na etimologia da palavra “fotografia”, que tem sua origem no grego phosgraphein, “photo” (luz) e graphein (escrever). Logo, fotografar é “escrever com a luz”. O teórico da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, em “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, destaca que o debate sobre técnica e arte perdurou por décadas, sempre com discussões acaloradas, cabendo ao artista Marcel Duchamp a tarefa de atenuar as controvérsias, ao decretar que “será arte tudo o que eu disser que é arte”, abandonando a pintura convencional para criar os “ready-made”. Para ele, a tela deveria ser uma sugestão do real e não o real.
Todavia, foi a partir do feliz “casamento” da fotografia com o jornalismo, que deu origem ao fotojornalismo, que, de fato, a fotografia se consolidou como um importante meio de comunicação na sociedade. Pois, passou a registrar a realidade sem maquiagens, como forma de dar veracidade aos acontecimentos. Isso deixou bem claro que o repórter fotográfico tem por obrigação registrar os acontecimentos sem distorcer os fatos.
Sobre o amigo Aldo, inspirador deste artigo, por anos, emprestou seu talento para ilustrar as páginas do Cruzeiro do Sul. Perfeccionista, estava em constante aperfeiçoamento. Irrequieto, sempre perseguia o melhor ângulo parar registrar a notícia, pensando no resultado impresso. Ou seja, encarou com vigor a missão de fotografar tudo! Do riso às lágrimas, da alegria à dor, sempre com a mesma disposição e dinamismo peculiar, além de um sorriso que se tornou sua característica. Com ele, não havia tempo ruim. Sabe-se que, certa vez, chegou a escapar de alguns seguranças de uma empresa, pois queriam tomar sua inseparável máquina, para impedir que uma denúncia fosse publicada. Chegou à redação de táxi e com as fotos intactas. Enfim, que a luz que iluminou suas fotos, ilumine sua jornada. Bom Domingo!
João Alvarenga é professor de redação