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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Homens comuns’ (parte 3 de 6)

16 de Novembro de 2023 às 23:01
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Obra da artista alemã Bernhard Heisig, que representa o ódio entre os seres humanos
Obra da artista alemã Bernhard Heisig, que representa o ódio entre os seres humanos (Crédito: REPRODUÇÃO)

 

Encerrei o artigo da semana passada escrevendo que a sociedade civilizada é forçada a estabelecer limites para as pulsões agressivas individuais.

A livre manifestação dessas pulsões é impedida pela repressão efetuada pela Justiça, pelas leis. Elas são também controlados pelas instituições sociais, oficiais e familiares que educam o indivíduo; podem também ser sublimadas, ou seja, canalizadas para atividades socialmente aceitas, como as práticas da Arte, do esporte, o estudo etc. É a eficácia dessas formas de controle que faz que indivíduos de certas sociedades (a brasileira, por exemplo) se comportem tão diferente de outras sociedades (a norueguesa, por exemplo) no que diz respeito à violência.

Aqui será útil introduzir os conceitos de recalque e sublimação. Para Freud, o recalque designa o processo que visa a manter enclausuradas no inconsciente todas as ideias e manifestações ligadas às pulsões e cuja realização, embora produtoras de prazer, afetariam o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo. Portanto, a realização daquelas ideias e manifestações seriam transformadas em fonte de desprazer para o indivíduo. Assim, por exemplo, a posse de um certo objeto que está à venda em um mercado me causaria prazer e, como não tenho dinheiro, penso em roubá-lo. Contudo, posso tentar roubá-lo ou posso reprimir o desejo de roubá-lo, porque a descoberta do roubo me poderia causar desprazer quer pela ação da lei que me puniria, quer pela vergonha de ser descoberto, quer pela minha moralidade que me impede de roubar.

Freud substituiu o destino religioso (que atua independentemente do indivíduo) pelo inconsciente, que também atua independentemente da vontade do indivíduo, e que é habitado pelas pulsões de vida e de morte. Portanto, nossos atos e pensamentos são determinados por um conjunto de circunstâncias psíquicas anteriores. Contudo, isto não significa que o psiquismo humano é impossível de ser transformado, embora nosso poder de transformação seja muito limitado. A psicanálise tem por objetivo justamente direcionar as forças psíquicas que causam o sofrimento do indivíduo para uma direção menos angustiante para ele. É impossível converter um homossexual em heterossexual, uma vez que a chamada “cura gay” é um disparate. Porém, se um ou uma homossexual “estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social, a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual”, escreveu Freud a uma mulher que, por carta, o consultou sobre a homossexualidade do filho.

Uma das formas mais comuns de liberação das pulsões, quer as eróticas, quer agressivas, ocorre quando o ser humano se agrega a um grupo. O indivíduo passa a se sentir seguro e em harmonia social quando faz parte de um grupo que se constituiu com algum propósito específico religioso, político, racial etc. e com o qual comunga ideias pessoais. Em todos os tempos e em todos os lugares, pessoas que se reúnem em grupos são capazes de atos de preservação da vida, de amor ao próximo; mas também podem ser capazes de efetuar atos de violência que normalmente não cometeriam isoladamente.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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