Celso Ming
Esta é a economia do cuidado
Trata-se de um setor de grande importância que, no entanto, não vem merecendo a atenção de políticas públicas que garantam os direitos mínimos
Você já ouviu falar de economia do cuidado? O assunto foi o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no dia 5.
Mais do que um texto dissertativo adequado, o tema chamou a atenção para uma atividade econômica essencial, mas quase não valorizada.
Tem a ver com grande leque de atividades sociais e econômicas que mantêm e dão qualidade à vida humana, da gestação até o fim da vida. Quem amamentou você, quem educou, quem deu remédio quando estava doente, quem ofereceu comida fresquinha várias vezes por dia e quem fez tanta coisa mais para que você se tornasse hoje quem você é são pessoas que foram e que podem continuar a ser agentes da economia do cuidado.
Com exceção do que acontece com empregadas domésticas, babás, acompanhantes de idosos etc., que ganham salário, embora nem sempre justo, esses serviços valiosos não são remunerados. São executados majoritariamente por mulheres, que executam, em média, jornada semanal de 61 horas. Pelos cálculos da ONG Think Olga, se fosse remunerado, esse trabalho no Brasil corresponderia a 11% do PIB, mais do que a atividade produtiva gerada pelo setor agropecuário.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) junto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2018, mostram que nada menos que 76,2% das pessoas que se dedicam a essa ocupação não remunerada são mulheres.
Algumas iniciativas procuram valorizar essas atividades no Brasil, embora nem sempre de maneira adequada. A deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), por exemplo, apresentou projeto de lei que propõe a inclusão de trabalhos de cuidado nos levantamentos das Contas Nacionais, que calculam o PIB. Essa proposta está prejudicada por uma razão essencial: PIB é renda; como não é remunerada, essa atividade não configura criação de renda e, por isso, não pode entrar no PIB.
Outro projeto de lei, criado pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), pede que a tarefa de criação dos filhos entre na contagem do tempo de serviço para fins de aposentadoria. O problema aí pode ser a falta de contribuição correspondente.
De todo modo, trata-se de um setor de grande importância que, no entanto, não vem merecendo a atenção de políticas públicas que garantam os direitos mínimos aos que proporcionam esses cuidados. O atual governo federal se diz empenhado em montar esquemas de proteção aos motoboys de entrega e aos demais trabalhadores por aplicativos, mas não demonstra o mesmo interesse para definir políticas públicas sobre a economia do cuidado, que poderá ser uma bola de neve no futuro.
Nisso, o Uruguai saiu na frente. O Sistema Nacional Integrado de Cuidados, vigente desde 2015, garante direitos aos cuidadores de idosos, de crianças e de pessoas com algum tipo de deficiência. (Com Renatta Leite)
Celso Ming é comentarista de economia