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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Homens comuns’ (parte 2 de 6)

09 de Novembro de 2023 às 23:01
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Christopher Browning, estudioso do Holocausto e autor do livro ‘Homens Comuns’
Christopher Browning, estudioso do Holocausto e autor do livro ‘Homens Comuns’ (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Encerrei o artigo da semana passada escrevendo que, em psicanálise, o inconsciente é o lugar que é desconhecido pela consciência, porque os processos inconscientes não podem ser resgatados voluntariamente pelo indivíduo.

Gustave Le Bon assim escreveu sobre o inconsciente:

“A vida consciente da mente é de pequena importância, em comparação com sua vida inconsciente. (...) Nossos atos conscientes são o produto de um substrato inconsciente.”

Esta constatação leva à discussão sobre o livre-arbítrio, de que tratarei adiante. Antes, porém, exporei dois outros conceitos fundamentais: as pulsões de vida e de morte.

Tenho escrito que Freud determinou que no inconsciente humano ou seja, a parcela da nossa personalidade que nos é inacessível - agem dois tipos de pulsões (que Freud chamou de instintos): as mantenedoras da vida, chamadas pulsões eróticas, que tendem a criar, a preservar e a unir, como, por exemplo, comer, beber, realizar o sexo, etc.; e as pulsões agressivas ou destrutivas, chamadas pulsões de morte, que tendem a destruir e a matar. Estas podem se voltar contra si próprio ou contra o mundo exterior. É a pulsão de morte voltada contra o próprio indivíduo que gera o desejo antinatural de gozar a qualquer custo e a destruir a própria vida, como o vício em drogas, a bulimia, a anorexia, o alcoolismo, a permanência em um relacionamento afetivo destrutivo etc.

Nenhum dos dois grupos de pulsões são menos essenciais do que o outro e, portanto, não devemos nos apressar em introduzir juízos éticos de bem e de mal. Os fenômenos da vida surgem da ação combinada ou mutuamente contrária de ambos, como se um instinto de um tipo dificilmente pudesse operar isolado; assim, por exemplo, o instinto de autopreservação tem natureza erótica, porque preserva a vida, mas usa a agressividade quando necessária para atingir seu propósito de defesa da vida.

Para Freud, as crueldades que encontramos na história e em nossa vida cotidiana atestam a existência dessas pulsões agressivas. Ele esceveu em sua obra ‘O mal-estar da civilização’:

“Os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. [...] Via de regra, essa cruel agressividade espera por alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito (...). Em circunstâncias que lhe são favoráveis, quando as forças mentais contrárias que normalmente a inibem se encontram fora de ação, ela também se manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho.”

Freud afirma que não há modo de eliminar totalmente os impulsos agressivos do ser humano e que o lado sombrio do inconsciente está presente em todos. A intensidade dessas tendências depende de nosso ambiente familiar, natural e social, de nossa história de vida, de nossos mecanismos de defesa que orientam nossa agressividade etc. É isto que nos faz tão diferentes uns dos outros.

Em consequência da hostilidade entre os indivíduos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração e é forçada a estabelecer limites para o controle das pulsões agressivas individuais.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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