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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Homens comuns’ (parte 1 de 6)

02 de Novembro de 2023 às 23:01
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A filósofa alemã Hannah Arendt
A filósofa alemã Hannah Arendt (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Aos 20 de janeiro de 1942 foi realizada, em Berlim, a Conferência de Wannsee, em que líderes do governo nazista e da SS traçaram o plano para a Solução Final da Questão Judaica, que consistia no extermínio dos judeus das áreas ocupadas pela Alemanha.

Este documentário de 2022, de menos de uma hora de duração, dirigido por Manfred Oldenburg e Oliver Halmburger, narra como homens da cidade de Hamburgo, no norte da Alemanha, foram recrutados para uma missão na Polônia: a de ajudar no extermínio de judeus nos campos de concentração. O nome do documentário, “Homens comuns”, descreve a condição dos recrutados. De fato, eram padeiros, artesãos, carpinteiros, comerciantes, escriturários.

A constatação de que homens comuns sejam capazes de atos de extrema violência e crueldade não deveria surpreender. Para compreender esta condição, retomarei o que tenho escrito sobre o assunto. Peço desculpas ao leitor se, em alguns casos, transcrevo quase literalmente o que escrevi anteriormente. Penso que o assunto é tão importante que a repetição será útil.

A filósofa política alemã Hannah Arendt é autora de obras fundamentais para o estudo do totalitarismo, do mal, da liberdade etc. Ela cobriu o processo judicial de Adolf Eichmann em Israel. Eichmann era acusado de ter participado ativamente do extermínio de judeus como organizador do transporte ferroviário de várias localidades para os vários campos de concentração.

Para Arendt, Eichmann, agia como bom funcionário que deve obedecer ordens e que nada há de errado em obedecer ordens. Arendt viu em Eichmann um homem comum, de caráter similar a muitas outras pessoas, parecia um cidadão comum. “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais”, escreveu. Arendt era judia e mostrou o mal como distribuído entre os seres humanos, incluindo entre os líderes judeus que colaboravam com os nazistas no extermínio dos próprios judeus.

Mas, por que, sob certas circunstâncias, pessoas comuns se tornam monstros? Para responder a essa questão, recorrerei à psicanálise, usando a literatura de Sigmund Freud e outros autores, algumas vezes citando-os quase literalmente. A exposição que farei a seguir é muitíssimo resumida e serve apenas para dar uma noção geral de um assunto tão complexo.

Os primeiros conceitos a serem definidos é o de consciente, pré-consciente (ou subconsciente) e inconsciente.

O consciente é aquela parte da nossa organização psíquica que podemos acessar de forma intencional. Por exemplo, o leitor deste texto é consciente de que está lendo a análise de um filme. O pré-consciente (ou subconsciente) é constituído por processos psíquicos que podem desaparecer momentaneamente e que podem ser resgatados assim que o desejarmos. Por exemplo, se eu falar do papa Francisco, sua imagem, que o leitor havia guardado na memória, é imediatamente resgatada.

O termo inconsciente, na linguagem corrente, designa o conjunto dos processos mentais que não são conscientemente pensados. Em psicanálise, contudo, o inconsciente é o lugar que é desconhecido pela consciência. Os processos inconscientes não podem ser resgatados voluntariamente pelo indivíduo.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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