Alexandre Garcia
Hora de pensar
Não sei se os deputados, vereadores, senadores também são pessoas que pensam
Domingo último foi Dia Nacional do Livro. O genial Castro Alves escreveu: “Ó bendito o que semeia livros a mancheias / e manda o povo pensar”. Há 150 anos o poeta sentia a necessidade de mandar o povo pensar e, em consequência, buscar informação e conhecimento. O povo pensar é essencial para que ele exerça o poder que dele se espera se o regime for democrático, em que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, como estabelece o primeiro artigo da Constituição. Povo que pensa, elege bons representantes; povo que pensa fiscaliza seus representantes; povo que pensa não permite que seus representantes ou seus servidores se desviem de seus deveres; povo que pensa não permite que quem não tem representação do voto vá além de seus limites; povo que pensa não se deixa enganar por falsos rótulos, falsas verdades, falsos arautos.
Se estamos satisfeitos com a segurança pública, com nossas cidades, com os nossos políticos, com nossa perspectiva de futuro para nós, nossos filhos ou netos, então talvez seja porque nos alienamos e estamos à espera da mão divina para nos trazer um País melhor. Na segunda-feira (30) fez um ano que Lula foi eleito presidente. Suponho que seus eleitores pensaram antes de votar, pensaram mil vezes antes de votar e se informaram, para exercer a pesada responsabilidade do voto. Suponho que saibamos do peso de nossas decisões nas urnas e que pensamos muito antes de dar o voto aos nossos representantes nos governos e legislativos. Não sei se os deputados, vereadores, senadores também são pessoas que pensam a respeito do que eles representam e no que se espera deles. Não consigo imaginar o que pensam os ministros do Supremo quando leem a Constituição ou recordam as aulas de Direito que frequentaram.
Parece que vamos vivendo uma ficção bem acima da realidade; e a realidade fica embaixo do tapete da alienação que insiste em esperar a salvação vinda de fora de nós. Não existe essa salvação, a não ser aquela que construirmos. Não será Deus nem os marcianos, nem a ONU. O crime tomou conta do Rio de Janeiro porque os cariocas ficaram esperando uma salvação. Ou houve omissão ou concordância por décadas e o crime foi se consolidando, a ponto de criar territórios próprios. E esses territórios vão estar maiores nos anos que vierem. Para um território gigantesco, a Amazônia, damos as costas, como se estivesse muito além de Gaza. Nessa parte tão rica do Brasil com milhares de ONGs estrangeiras, uma CPI está a nos alertar que com o tempo vamos ser surpreendidos e perder metade do nosso País. Nosso umbigo nos prende num cordão ainda não cortado. Não nos interessamos nem pelo ensino, pelas escolas que formam o futuro, e o atraso se amplia. E logo estaremos em busca do futuro perdido.
Por falta de informação e de conhecimento, ou preguiça de pensar, deixamos que outros pensem por nós. E temos um “1984”, de Orwell, com o “Grande Irmão” esperando para tomar conta de nossas liberdades, apenas para nos usar. O teste da pandemia mostrou como não pensamos e aceitamos até o absurdo de que “esta doença não tem tratamento”. E fomos morrendo por causa de uma mentira repetida, ensinada pelo nazista Goebbels. Mais do que nunca é preciso pensar que a verdade vos libertará, do Evangelho de João, que o jovem Castro Alves resumiu em mandar o povo pensar. O futebol, o samba, a praia, podem trazer alegrias. E elas podem ser anuladas pela falta de direitos e liberdades. Imagino variantes para Descartes: Penso, logo sou cidadão. Sou cidadão, pois penso.
Alexandre Garcia é jornalista