Vanderlei Testa
Luar do sertão no céu de Sorocaba
No dia 8 de outubro foi comemorado o Dia dos Nordestinos, criado em homenagem ao poeta Patativa do Assaré. A varanda do oitavo andar de um edifício, nos altos do Campolim, proporciona a Vanderlita de Carvalho Linhares vislumbrar o horizonte avermelhado do por de sol, em Sorocaba, e o luar das noites estreladas. Hoje, com 80 anos, ela volta no tempo e relembra da sua infância, em Parnaíba do Piauí, nordeste do Brasil, do sol escaldante de sua terra. Lembra-se, também, do belo anoitecer, em que a lua refletia sua luz no imenso rio que circundava a sua cidade. O luar do sertão era visto no céu e ouvido na música do compositor e poeta Catulo da Paixão Cearense.
Os avós Fontenele, de Vanderlita, plantavam carnaúba nas terras do Ceará. Em terras da família, levantaram a igreja e, ao redor, construíram as suas casas, formando, então, o núcleo dos Fonteneles. Assim, a menina Vanderlita, com sete anos de idade, acompanhava a realidade nordestina do Ceará, onde morava. Apesar das dificuldades para ler e escrever, sua mãe conseguia comprar e trocar revistas para o seu aprendizado de leitura. A inspiração materna tocava, com intensidade, o desejo de estudar da filha. Esse sonho foi concretizado quando convenceu a mãe a matricular em um colégio de freiras. Até a oitava série, conquistou, nessa escola, a base da sua sabedoria cultural, que foi o impulso para frequentar um curso de Contabilidade.
Jovem, ainda, com 14 anos, Vanderlita conseguiu emprego em uma loja de tecidos. Estudava à noite e -- com dedicação nas aulas -- se sobressaia entre as amiguinhas. Já com os seus 18 anos, em plena maioridade, encontrou o jovem Gastão, apresentado por uma prima. Nascia, ali, uma oportunidade de namorar, apesar da proibição da mãe. Quis, porém, o vai e vem do footing, na pracinha da matriz (com as moças andando em sentido horário e os rapazes no sentido inverso), que o cupido atingisse os corações de Gastão e Vanderlita.
Nasciam, naquele momento, o namoro e os desafios para conseguir a autorização dos pais. O estudo de Contabilidade dos dois prometia um futuro melhor em algum comércio da cidade.
Mas, a reviravolta na vida dos enamorados chegou com o casamento, em 1966, depois de mais de seis anos de namoro. Vieram três filhos na vida do casal. Casa montada, móveis comprados e pagos, emprego, filhos, a vida, na Parnaíba, florescia para eles em uma rotina agradável e sossegada.
Um dia, o convite de um parente para mudarem para São Paulo, capital, mexeu com aquela realidade de interior tranquilo. Gastão não queria saber dessa mudança. Vanderlita acreditou que seria uma oportunidade única. Sem o conhecimento do marido, vendeu todos os móveis e eletrodomésticos de sua casa, com a ressalva de entrega somente após saírem de Parnaíba. Isso aconteceu, pouco tempo depois, com uma conversa difícil do casal sobre o assunto de mudança de Estado para começarem do zero. Deixar o Ceará para a metrópole São Paulo. E, ainda por cima, teriam que morar na casa de um irmão do Gastão, em Santo Amaro, bairro de São Paulo, na época, um local de difícil acesso.
Com as malas de roupas nas mãos e o imprevisível na cabeça, a confiança divina garantia, na fé da Vanderlita, que tudo ia dar certo. Compraram passagens de ônibus e, em uma viagem que saiu de Fortaleza, de quatro dias e 12 horas, ou seja, 108 horas de estradas, com várias paradas no trajeto, chegaram com “cara e coragem” à capital de São Paulo, juntamente com outras dezenas de passageiros do nordeste que buscam trabalho em terras paulistanas.
Os jovens Gastão e Vanderlita gastaram muita sola de sapato em busca de emprego. Apesar do diploma de contadores, chamados de “guarda-livros”, eles tinham o diferencial de serem “guerreiros” no trabalho. Impressionavam por serem pessoas simples, humildes e sábias em conquistar amizade e a confiança dos empregadores. Essa postura ética e moral do casal os levaram a ter uma história de vida conjugal de 57 anos em 2023, com a conquista de seus bens e de suas aposentadorias.
Vanderlita e Gastão, pelo mérito de uma trajetória difícil, tiveram as suas histórias profissionais concluídas, em Sorocaba, com décadas de serviços prestados à empresa do alemão Artur Klink. Como se diz no nordeste, eles são “arretados”, disse a amiga Mari Calvo Escorza.
A dona Vanderlita, como ficou sendo chamada, durante 30 anos, pelos funcionários, conseguiu com a sua sabedoria e bom humor, um dom natural em sua vida, chegar aos 80 anos ao lado do amado Gastão, olhando da varanda do apartamento o luar que brilha no sertão, agradecendo por suas origens na romântica cidade de Parnaíba do Piauí.
Vanderlei Testa ([email protected]) é jornalista e publicitário; escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul