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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Um dia e meio’

28 de Setembro de 2023 às 23:01
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O diretor e ator, Fares Fares
O diretor e ator, Fares Fares (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Este filme de 2023 foi dirigido pelo libanês Fares Fares e transcorre na Suécia. Começa com Artan -- um estrangeiro que perdeu a guarda da filha por agressão ao sogro -- entrando no consultório médico onde a esposa Louise trabalha. Ele quer ver a filha. Quando Louise lhe diz que a filha está com seus pais, Artan saca de um revólver e aponta para a cabeça da esposa e a faz refém. Ameaça matá-la e se suicidar em seguida. Pede então a presença de um policial na cena. O policial é Lukas, interpretado pelo diretor do filme, Fares Fares. Artan exige um carro para levá-lo à casa dos pais de Louise. A polícia lhe fornece o carro e Lukas é encarregado de dirigi-lo ao destino desejado por Artan, que continua mantendo Louise sob a mira do revólver, impossibilitando, desse modo, qualquer ação policial.

Um filme que começa com uma cena de sequestro por um indivíduo aparentemente transtornado vai pouco a pouco se transformando em um drama familiar. Artan, que de início parece ser o bandido de um filme de suspense, passa a ser visto pelo espectador com um marido afetivo, que ama a esposa e a filha. Os três personagens: Artan, Louise e Lukas -- vão se compreendendo, porque Lukas também está afastado dos filhos. Lukas diz “sei como os mal-entendidos acabam”, e o ato de Artan tem o lado positivo que faz vir à tona uma série de mal-entendidos que, pouco a pouco, começam a ser esclarecidos no carro.

O diretor Fares Fares, que reside na Suécia há mais de 30 anos, conhece bem a sociedade sueca e, como libanês, deve ter observado o tratamento dispensado aos estrangeiros naquele país. Este fato talvez explique a razão pela qual a xenofobia, ou seja, o ódio ao estrangeiro, percorre todo o filme de forma sutil em breves passagens. Por exemplo, o tratamento dispensado pela recepcionista a Artan, quando este chega ao hospital. Ou quando Artan afirma que, para os suecos, todos os imigrantes são terroristas. Mas, quem mostra maior ódio xenofóbico a Artan são os pais de Louise. O pai refere-se ao genro como “inseto maldito, nojento” e “estrangeiro de merda” e promete que vai esmagá-lo. Tal ódio parece ser o maior fator a provocar o rompimento belicoso do casal Artan-Louise, que, ainda assim, continua se amando. Artan foi condenado a três meses de prisão e à perda da custódia da filha. E tudo foi armado pelo pai de Louise que mentiu no tribunal, alegando uma agressão por parte do genro que não ocorreu.

Mas, de onde vem tanto ódio racial em uma sociedade como a sueca, tradicionalmente receptiva ao estrangeiro até há poucas décadas? A pergunta pode ser estendida a toda a Europa. O físico e filósofo francês Michel Paty afirma que, após a Segunda Guerra Mundial, o racismo, amplamente propagado como valor central do nazismo, tornou-se tão vergonhoso que não ousava se expor abertamente. Com isso, opiniões discriminatórias de qualquer tipo contra qualquer grupo passaram a ser condenadas. Contudo, o nazi-fascismo que ressurgiu no mundo contemporâneo, representa um retrocesso na questão racial. Os discursos políticos francamente racistas da ultradireita podem ser observados hoje em vários lugares do mundo. Paty afirma que, do ponto de vista biológico, não existe senão uma única raça humana, e quem pretender fundamentar o racismo por meio da ciência é um impostor.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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