João Alvarenga
A TV é uma farmácia
Apesar da preocupação das autoridades com a automedicação, a TV aberta, à noite, no chamado "horário nobre", tem solução para tudo
Talvez o leitor concorde comigo sobre um assunto que desorienta as famílias: a danada da doença! Pudera, ninguém quer ficar doente. Claro que, adoecer, com certeza, é uma das coisas mais chatas deste mundo! Mesmo que seja uma simples dorzinha de cabeça, depois de uma feijoada que não caiu bem, já é o bastante para estragar nossa alegria de viver. Se um resfriadinho perturba, imagine uma gripe forte que tira a disposição das pessoas, pois -- com febre -- o corpo fica dolorido e só queremos ficar na cama sem ter nada para fazer. Mas, nem sempre isso é possível, pois os compromissos -- principalmente financeiros -- não aceitam atestado médico. Assim, mesmo indispostos, somos “chamados” ao trabalho.
Por isso, apesar da preocupação das autoridades com a automedicação, a TV aberta, à noite, no chamado “horário nobre”, tem solução para tudo, de unha encravada a gastrite. Na verdade, remédio é o que não falta nos intervalos televisivos. Assim, entre um bloco e outro da sua novela favorita, algumas emissoras se transformaram numa verdadeira farmácia, com panaceias para todo tipo de complicação corporal, desde produtos para emagrecer até energéticos milagrosos. Isso porque a indústria farmacêutica, graças aos avanços da ciência, promete a felicidade, em doses homeopáticas, a quem sofre de todos os males, sejam do corpo ou da mente.
Desse modo, se você anda nervoso porque seu cabelo está caindo, não se preocupe, pois esse problema é fichinha para os “engenheiros” da estética pós-moderna. Ou seja, basta ligar a televisão, a partir das 20h, para ter acesso a uma autêntica vitrine farmacêutica com variadas marcas de shampoos, desde os mais sofisticados até as marcas populares, para embelezar até mesmo cabeleira dos carecas.
Aliás, é no campo da beleza feminina que as TVs mais se esmeram, com um autêntico desfile de variados produtos da indústria de cosméticos para renovar a face das telespectadoras, com o fim daquelas ruguinhas indesejáveis. Nos comerciais, muitas beldades tornam a telinha um oceano de ilusões, em que um simples creme facial tem poder de transformar a vida de mulheres insatisfeitas com o espelho. Nesse quesito, o antigo creme Rugol que, antes fazia a alegria de muitas donas de casa, agora, é coisa do passado. Hoje, a moda é ácido hialurônico e colágeno para diminuir a flacidez da pele.
No entanto, um detalhe nos salta aos olhos: nunca o rosto humano foi objeto de tanto interesse dos esteticistas. Nesse aspecto, até os homens entraram na onda, graças à revolução dos aparelhos de barbear. O problema é o preço desses barbeadores que, por serem descartáveis, não duram quase nada. A sofisticação desses aparelhos causa impacto nos consumidores, assim como a variedade de creme dental que promete mais do que do um hálito saudável, mas o clareamento dos dentes como se fosse a primeira dentição.
Porém, caso você se sinta esgotado, sem energia para enfrentar os desafios diários, a tisana do momento são os fitoterápicos que prometem rejuvenescer o físico e, assim, devolver a sua disposição num piscar de olhos. Nessa linha, o tal do “ora pro-nóbis” em cápsula se tornou o queridinho de quem quer combater, de uma só vez, um combo de problemas físicos. O cloreto de magnésio com sucupira segue na mesma trilha, assim como os polivitamínicos.
Todavia, se você pensa que a lista de produtos milagrosos é exígua, está enganado, pois a baciada é farta! Afinal, nada escapa das garras da indústria fitoterápica que miram até mesmo os milhares de brasileiros que amargam os distúrbios do sono. Para isso, o mercado oferece várias fórmulas com melatonina que garantem aos insones uma noite tranquila. Mas, se o problema é ficar ligado, não faltam energéticos.
Apesar do apelo midiático em torno desses produtos milagrosos (e da extensa variedade), não faça do seu corpo uma cobaia dos laboratórios. Antes, consulte um especialista. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação