Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Pray Away’ (Parte 3 de 4)
Escrevi na semana passada que Freud afirmou que o indivíduo adulto tem fixada na sua personalidade determinada sexualidade e sobre ela não tem controle.
Contudo, os herdeiros de Freud não seguiram suas diretrizes frente à homossexualidade e mostraram extrema intolerância. A partir de 1921, os psicanalistas de Berlim consideravam que os homossexuais eram incapazes de ser psicanalistas. Ernest Jones, que se tornou biógrafo de Freud e foi presidente da Associação Psicanalítica Internacional, declarou que, aos olhos do mundo, a homossexualidade era “um crime repugnante”. Sob a pressão de Jones e dos berlinenses, a homossexualidade passou novamente a ser considerada uma “tara”. Durante mais de 50 anos, sob a crescente influência das sociedades psicanalíticas norte-americanas, os homossexuais foram considerados pervertidos sexuais e inaptos para o tratamento psicanalítico, a menos que a análise tivesse por objetivo orientá-los para a heterossexualidade.
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“Pray Away” se inicia com a sentença: “Terapia reparativa ou de ‘conversão’ é a tentativa de mudar a orientação sexual ou a identidade de gênero de alguém. É feita por um líder religioso, terapeuta ou em grupos de apoio. Todas as principais associações médicas e de saúde mental denunciaram a prática como prejudicial”. Pelo que escrevi até aqui, o leitor compreenderá a inutilidade da tentativa da “conversão gay”.
Choca no filme o enorme sofrimento, o sentimento de culpa de alguém que se sente gay e não se reconhece na sua sexualidade anatômica. O depoimento de um congressista do Brasil é particularmente ilustrativo do que vemos no filme: “Eu pedia a Deus para mudar aquilo. Chorava literalmente. Ia para a igreja e chorava. Me diziam: ‘eu respeito a sua opção’. Eu ficava triste, porque ninguém me deu um cardápio para escolher. Você simplesmente é.”
Alguns dos que condenam a identidade sexual do gay e pregam a “conversão gay”, o fazem em nome de Cristo, proferindo discursos estridentes, cheios de ódio e preconceito. O pastor André Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha, investiu-se da autoridade de portador de uma fala divina sobre os gays: “Se eu pudesse, eu matava todos e começava tudo de novo. Mas já prometi a mim mesmo que não posso e agora está com vocês.” Essa fala, que Valadão atribui a Deus, contém a determinação expressa por Ele de assassinar gays em Seu nome. Em que momento Cristo sugere matar alguém por sua identidade sexual?
Mas as palavras de Valadão contêm a essência do pecado capital da soberba. William Barclay, em sua obra “Comentário do Novo Testamento”, caracteriza a soberba como a tentativa de invadir as prerrogativas de Deus. Por isso, a soberba foi chamada “o cúmulo de todos os vícios”. São Tomás de Aquino considerou a soberba o pecado capital mais grave, a origem de todos os pecados, uma vez que é o primeiro pecado de Lúcifer, o anjo que pretendeu tomar o lugar de Deus -- como fez Valadão, que decidiu quem deve morrer e quem deve viver.
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O juízo com respeito aos gays é recheado de preconceitos, incluindo entre os cristãos. William Barclay interpreta que Cristo condena qualquer preconceito na passagem de Mateus 6:22-23: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso.”
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec